quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Trabalhar alcoolizado até pode melhorar desempenho, dizem juízes da Relação

Ana Henriques
Tribunal impede empresa de gestão de resíduos de despedir empregado que recolhia lixo com taxa de alcoolemia de 2,3
O Tribunal da Relação do Porto obrigou uma empresa de Oliveira de Azeméis a reintegrar um empregado da recolha do lixo que havia despedido por trabalhar alcoolizado.
Tudo se passou no Dia dos Namorados do ano passado, a 14 de Fevereiro. Ainda não eram 18h quando o camião do lixo em que seguia o empregado se despistou, tombando para o lado direito. Quem ia ao volante era um colega seu, que se encontrava igualmente etilizado. Mas enquanto a taxa de alcoolemia do motorista, entretanto também despedido, era de 1,79 gramas por litro, a deste trabalhador, um imigrante de Leste, ascendia às 2,3 gramas por litro, revelaram as análises feitas no hospital para onde ambos foram transportados.
Pouco compreensiva para com os hábitos do seu empregado, a empresa de gestão de resíduos Greendays considera que ele “incorreu de forma culposa em gravíssima violação das normas de higiene e segurança no trabalho”. “Incumpriu o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, revelando profundo desinteresse pelas funções confiadas, contribuindo para a lesão de interesses patrimoniais sérios e afectando de modo gravoso a imagem pública” da firma, acusou o patrão.
Não foi, no entanto, esse o entendimento dos juízes que analisaram o caso. Muito pelo contrário: segundo o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou recentemente uma sentença de primeira instância, os resultados das análises ao sangue nunca poderiam ter sido usados pela entidade patronal sem autorização do trabalhador. Por outro lado, alegam ainda os juízes, não existe na Greendays nenhuma norma proibindo o
consumo de álcool em serviço. Por isso, os magistrados aconselham a firma a limitar o consumo de álcool a 0,50 g/litro, “para evitar que os trabalhadores se despeçam todos em caso de tolerância zero”.
“Vamos convir que o trabalho não é agradável”, observam os desembargadores Petersen Silva, Frias Rodrigues e Paula Ferreira Roberto. “Com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões, e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de electrodomésticos.” Afinal, acrescentam, não há qualquer indício de que o homem estivesse a recolher o lixo “aos tombos e aos pontapés aos resíduos, murmurando palavras em língua incompreensível”.
Por outro lado, não há nas leis laborais “nenhuma exigência que faça com que o trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar no que quiser, com ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou, pelo contrário, um pouco tonto”, fazem notar. A Greendays ainda não decidiu se vai recorrer da decisão.

Público, 1 de Agosto de 2013

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