terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Presidente do Tribunal de Contas defende Estado social "modesto"

O presidente do Tribunal de Contas (TC) defendeu, esta terça-feira, um “Estado social modesto e sóbrio”, não “assistencialista”, e uma economia orientada para as pessoas e para um equilíbrio entre o rigor e a partilha justa da riqueza.

Presidente do Tribunal de Contas defende Estado social modesto21:27 - 08 de Janeiro de 2013 | Por Lusa
 “A sociedade providência não poderá, afinal, ser assistencialista, terá de garantir a cobertura justa dos riscos sociais”, afirmou Guilherme d’Oliveira Martins, na sessão comemorativa do 11.º aniversário da tomada de posse de Rui Rio como presidente da Câmara do Porto.
“A República moderna terá de garantir hoje a justiça distributiva e a equidade na partilha de recursos. Um Estado social modesto e sóbrio significa a prevalência da justiça tributária, do respeito pelo contribuinte, da igualdade de oportunidades e da correcção das desigualdades”, acrescentou.
O também presidente do Centro Nacional de Cultura pautou o discurso com elogios ao Porto, à sua capacidade impulsionadora e ao exemplo histórico que representa para o País em crise e com necessidade de uma “melhor voz” na Europa.
A economia deve orientar-se “para as pessoas e procurar “respostas complexas”, defendeu ainda Guilherme d’Oliveira Martins.
O segredo é “ligar a verdade e o rigor na prestação de contas à necessidade de encontrar uma partilha justa e equilibrada da riqueza que se cria”, sem se confundir esta repartição “com o crédito que se pede às gerações futuras”.
“Uma economia para as pessoas tem de considerar o interesse e a dignidade, a disciplina e a justiça – compreendendo-se que a educação, a ciência e a cultura são marcas fundamentais e insubstituíveis de desenvolvimento humano”, frisou.
Daí que o novo Estado social deva dar prioridade à “avaliação rigorosa da qualidade dos serviços públicos de interesse geral, em especial nos domínios da educação, da saúde e da segurança social”, justificou.
“A coesão, a confiança e a convergência social obrigam a que a administração da coisa pública seja orientada para a salvaguarda efectiva dos direitos e das responsabilidades sociais”, defendeu.
Para o presidente do TC, esta é uma das lições que é possível encontrar “nas origens e no sucesso” do Porto.
“A crise financeira ensina-nos hoje algo que tem a ver com as lições que encontramos nas origens e no sucesso da cidade do Porto. Impõe-se compreender que a ciência económica tem de ligar a liberdade individual, a eficiência e a justiça”, explicou.
A outra prende-se com a voz forte que o País deve ter na Europa.
“Querer uma Europa mais forte é querer ter melhor voz nela – e dizer que, como o Porto sempre simbolizou, temos de ter os nossos próprios projectos, as nossas próprias ideias, afirmando que não podemos acomodar-nos e que temos de recusar a mediocridade e a irrelevância”, esclareceu.
Portugal tem de “continuar na primeira linha do projecto europeu”, mas Guilherme d’Oliveira Martins alerta para a necessidade de sermos “muito exigentes”.

Leituras Oficiosas

Ler Leituras Oficiosas...

Quem quer, afinal, voltar a brincar à caridadezinha?

Por António Cluny, publicado em 8 Jan 2013 - 03:00 

Banco alimentarNa memória de muitos ainda se ouve o estribilho certeiro da canção de Barata Moura “Vamos brincar à caridadezinha”, que tão bem caracterizou uma época e um regime
1. No final de 2012, houve quem, a propósito das opiniões muito pessoais da Dr.ª Isabel Jonet, procurasse, despropositadamente, reacender um conflito religioso sem sentido no presente.
Pretenderam alguns, com efeito, contrapor uma alegada desvalorização que a Igreja faria dos direitos sociais constitucionais, ante uma opção desta, por um “assistencialismo” fundado apenas na “caridade cristã”.
Para consumo interno, tentou-se, nessa base, refazer alinhamentos políticos que hoje, verdadeiramente, não têm sentido entre nós.
Claro está que na memória de muitos se ouve ainda o estribilho certeiro da canção de Barata Moura “Vamos brincar à caridadezinha”, que tão bem caracterizou uma época, um regime e a colagem de uma entourage a uma certa Igreja que, nessa altura, prevaleceu em Portugal.
Acontece que, se já na época a doutrina social da Igreja não era exactamente a que, por motivos óbvios, era veiculada no nosso país, hoje, quando o acesso à informação é livre, não podem os portugueses deixar-se enganar tão facilmente com os mesmos falsos argumentos.
2. Muito recentemente, aliás, o Papa clarificou a posição da Igreja sobre esta mesma matéria.
Referindo-se ao Evangelho do Domingo do Advento, disse o Papa:
“A justiça destina-se a superar o desequilíbrio entre quem tem o supérfluo e a quem falta o necessário; a caridade incentiva a ser atento ao outro e a ir ao encontro dos necessitados, em vez de encontrar justificativas para defender os próprios interesses. Justiça e caridade não se opõem, mas são ambas necessárias e completam-se mutuamente.”
A 1 de Janeiro, no Dia Mundial da Paz, o Papa foi ainda mais explícito:
“Causam apreensão os focos de tensão e conflito provocados pelas crescentes desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma mentalidade egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro desregrado.”
E acrescentou: “(…) as ideologias do liberalismo radical e da tecnocracia insinuam, numa percentagem cada vez maior da opinião pública, a convicção de que o crescimento económico se deve conseguir mesmo à custa da erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da sociedade civil, bem como dos direitos e deveres sociais.”
E concretizou melhor:
“E, entre os direitos e deveres sociais actualmente mais ameaçados, conta--se o direito ao trabalho. Isto devido ao facto, que se verifica cada vez mais, de o trabalho e o justo reconhecimento do estatuto jurídico dos trabalhadores não serem adequadamente valorizados, porque o crescimento económico dependeria sobretudo da liberdade total dos mercados.”
Para concluir: “O modelo que prevaleceu nas últimas décadas apostava na busca da maximização do lucro e do consumo, numa óptica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade.”
3. Aqueles que, entre nós, defendem agora um projecto de Estado, na melhor das hipóteses, “assistencialista” e contrário, na essência, ao que a nossa Constituição prevê – pois esta reconhece nos direitos sociais a base mínima da dignidade humana – poderão inspirar--se em muitas doutrinas, mas não será, porém, com os ensinamentos da Igreja actual que poderão justificar-se.
Cuidado, pois: contribuir para dividir hoje os portugueses a partir desta falsa querela doutrinária só favorecerá, porventura, aqueles que, sem nenhum tipo de caridade, querem atentar contra os seus direitos e a justiça social.
Jurista e presidente da MEDEL