terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Uma reflexão sobre o Estado social


Por António Cluny, publicado em 15 Jan 2013 - 03:00 - Informação
Segurança SocialO Estado social é uma consequência inevitável da democracia. A simples igualdade política dos cidadãos não basta para fazer uma democracia plena
O Inverno, que convida ao recolhimento, a necessidade que temos todos de conter despesas e a premência de discernir a “crise” têm-me compelido a uma certa reclusão e a pegar em livros que havia apenas folheado e depois guardado, e que hoje redescubro com surpresa.
Entre eles destaco uma obra de 2002: “La démocratie providentielle – un essai sur l’égalité contemporaine”, da socióloga Dominique Schnapper, filha de Raymond Aron, membro do Conselho Constitucional francês entre 2001 e 2010 e directora de estudos da École des hautes études en sciences sociales.
Além de uma cuidadosa análise de vantagens, defeitos, riscos e consequências dos diferentes modelos do “Estado-providência”, esta obra desenvolve duas ideias, que se me afiguram particularmente actuais.
Primeira: a democracia, enquanto sistema que atribui e se funda na igualdade legal dos direitos políticos dos cidadãos, gera, naturalmente, no seu exercício normal, a vocação para a reivindicação e a aquisição de mais direitos tendentes à concretização da “igualdade material”, que a própria prática das liberdades políticas pressupõe. O Estado social é pois uma consequência inevitável da democracia.
Relatando o processo histórico desta evolução, refere a autora, a dado passo: “A simples igualdade política de todos os cidadãos não podia deixar de parecer insuficiente para garantir a verdadeira cidadania. O cidadão, soberano, nas sociedades organizadas em torno da produção tinha o direito a gozar das condições de vida materiais susceptíveis de assegurar a sua dignidade. […] Os homens não são somente produtores, mas cidadãos. O Estado devia, consequentemente, em nome da solidariedade induzida pela “comunidade de cidadãos”, compensar os efeitos sociais da estrita lógica económica, que resultam contrários à justiça social. Ele devia intervir porque é seu dever garantir a cada cidadão as condições de existência colectivamente julgadas normais num dado momento”.
D. Schnapper analisa ainda os modelos de Estado-providência, distingue aqueles que defendem o princípio da universalidade de direitos e os que atendem prioritariamente à situação concreta de cada indivíduo ou comunidade e anota os efeitos sociais de cada um deles.
Mas é a segunda grande ideia, apenas esboçada, que interpela hoje com mais acuidade.
Na parte conclusiva da obra, ela questionava, já em 2002, a possibilidade de a UE assegurar realmente uma “nova cidadania”, capaz de materializar o projecto inevitavelmente político do Estado-providência, que a democracia moderna fora capaz de construir, até então, nos limites do Estado-nação.
Interrogava-se pois sobre a existência, no espaço e nas circunstâncias da UE, de condições de coesão necessárias à viabilização de um tal projecto político: “Mas a existência de uma comunidade de cidadãos não é condição necessária para legitimar o sistema de redistribuição das riquezas?”
Pensar, aqui e agora, o futuro do “nosso” Estado social não pode pois prescindir da análise destas duas questões.
Procurar, por vanguardismo neoliberal, limitar a discussão à situação actual das nossas finanças públicas não será assim apenas uma maneira de iludir as reais opções constitucionais e políticas dos portugueses em matéria de cidadania?
Os riscos decorrentes de uma tal opção radical e aventureira são evidentes: além de pôr em causa a sobrevivência da democracia, poderá conduzir a uma ruptura dramática da coesão social e económica do país, e portanto afectar a própria paz.
Jurista e presidente da MEDEL

Socialistas mostram divisões internas sobre eventual extinção da ADSE

MARGARIDA GOMES 

Público - 15/01/2013 - 00:00
Jornadas Parlamentares do PS marcadas pelo futuro da ADSE. Coordenador para a área da saúde pediu a sua "extinção", Zorrinho desautorizou-o e Correia de Campos pede "solução alternativa"
A polémica estalou em plenas Jornadas Parlamentares do PS. O coordenador do partido para a área da Saúde e membro do secretariado nacional, Álvaro Beleza, não esteve ontem em Viseu, mas as suas declarações a favor da extinção da ADSE, um cenário que, segundo disse, está em cima da mesa caso os socialistas regressem ao poder, tomaram conta do debate. O líder da bancada parlamentar, Carlos Zorrinho, foi o primeiro a reagir, negando que o PS seja favorável à extinção da ADSE, contrariando, desta forma, a posição defendida por Álvaro Beleza em entrevista, ontem, ao Jornal de Notícias.
"Quero afirmar que o PS não é a favor da extinção da ADSE. Quero que isso fique bastante claro", sublinhou Carlos Zorrinho, negando que a extinção da ADSE se encontre nos planos dos socialistas.
Pouco depois, era a vez do antigo ministro da Saúde Correia de Campos dizer que é preciso "substituir a ADSE por um mecanismo de mutualização social na área da saúde, porque o actual sistema é mau e não permite a integração". Confrontado com esta polémica, o eurodeputado disse entender "perfeitamente" a posição de Álvaro Beleza. "O que há a fazer é a substituição da ADSE, que é um mau sistema da saúde, porque não é integrado e o doente, no fundo, é partido às fatias em função de cada especialista. Tem de haver uma integração e a ADSE não permite essa integração e é um não-sistema. É essencial encontrar uma solução alternativa à ADSE", declarou Correia de Campos.
Segundo o eurodeputado, a classe média portuguesa "está hoje a ser punida, sobretudo do ponto de vista fiscal". E acrescenta: "Temos de encontrar um mecanismo de mutualização social que permita ajudar a classe média, para evitarmos a sua proletarização. A ADSE é um sistema que tem a livre escolha, mas tudo o resto é mau e tem até um co-pagamento muito elevado. Seria impossível passar o sistema para todos os trabalhadores por conta de outrem", declarou.
A partir de Santarém, o ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, reagiu às declarações de Beleza, considerando "positiva" a proposta de extinção da ADSE, ao mesmo tempo que desafiava o PS a clarificar a sua posição e o que pretende fazer com os 400 mil beneficiários deste subsistema de saúde.
"É uma proposta que me parecia particularmente positiva, mas estamos à espera que o PS diga qual é que é a posição que vale, se a do porta-voz para o sector e membro da direcção, se a do líder parlamentar", afirmou o ministro dos Assuntos Parlamentares, comentando a hipótese de a ADSE ser extinta caso os socialistas regressem ao Governo.
Curiosamente, Miguel Relvas não afastou a possibilidade de o Governo avançar com a extinção daquele subsistema de saúde, revelando tratar-se de "uma matéria que deve ser tratada com muito cuidado e muito equilíbrio". "Estamos a tratar de direitos que tocam a muitos portugueses", sublinhou.
O PS e os cortes
Pela voz do deputado Adolfo Mesquita Nunes, o CDS-PP juntou-se à polémica para dizer que a proposta de extinção da ADSE era "útil", considerando que o facto de ter sido "retirada" pelo PS mostra que os socialistas se recusam a debater os cortes, porque não sabem o que querem e estão contra qualquer corte. "Acordámos hoje [ontem] de manhã com uma proposta do porta-voz para a área da saúde do Partido Socialista defendendo a extinção da ADSE como uma medida para combater a injustiça e, pouco tempo depois, ela foi desmentida pelo próprio Partido Socialista", afirmou o deputado do CDS-PP Adolfo Mesquita Nunes, citado pela agência Lusa.
"Esta circunstância permite retirar duas conclusões: em primeiro lugar, que o PS não participa no debate sobre o corte na despesa, porque não sabe ao certo aquilo que quer, e, em segundo lugar, que não participa porque se revela contra qualquer corte na despesa", disse.
Confrontado sobre a própria posição do CDS-PP quanto a uma eventual extinção da ADSE, Adolfo Mesquita Nunes avançou apenas que os democratas-cristãos têm "chamado a atenção para a necessidade de aproximar os regimes público e privado de saúde". "É um debate que deve ser feito", vaticinou.
Renegociação com a troika
Perante a polémica que se instalou, Álvaro Beleza justificou na sua página do Facebook que as declarações sobre a extinção da ADSE só o vinculavam a si e aproveitou para criticar "o aproveitamento miserável do PSD, do CDS e do ministro [Miguel] Relvas sobre o assunto".
"O PS é um partido livre e aberto, é nesse quadro que centenas de cidadãos têm debatido o futuro da saúde em Portugal e também a necessidade de reformulação da ADSE. Eu tenho muita honra em coordenar esse debate de ideias e de propostas", sublinhou Álvaro Beleza.
O contra-ataque oficial do PS chegaria entretanto ao fim do dia. O vice-presidente da bancada parlamentar do PS, José Junqueiro, reafirmou que a posição do partido é contra a extinção da ADSE e censurou o Governo e a maioria de procurarem criar um fait-divers a propósito desta questão.
"Governo, PSD e CDS, nomeadamente o ministro [Miguel] Relvas, estão a tentar construir um fait divers para não responder a algumas questões", afirmou Junqueiro, informando que Álvaro Beleza já se comprometeu em "respeitar a posição do PS".
Sob o mote Em Defesa de Um Estado Social Moderno e Solidário, as Jornadas Parlamentares do PS debateram ontem questões relacionadas com a educação e a Segurança Social, terminando hoje com uma intervenção do secretário-geral do partido, António José Seguro. Ontem, ao participar no painel da Segurança Social, o ex-líder do PS Ferro Rodrigues voltou a defender uma renegociação com atroika dos valores e dos prazos da dívida.

FUNCIONÁRIA DA PJ EM REDE DE ASSALTOS


Gangs liderados por estrangeiros atacam casas de norte a sul

do País

MIGUEL CURADO/PAULO SILVA REIS

Os assaltos a residências na zona de Chaves alarmavam a PSP há semanas. A investigação cerrou fileiras em tomo de um grupo - dois homens e uma mulher -, observado e fotografado inúmeras vezes a entrar e sair de urbanizações, parecendo estudar os alvos. Quando se apercebeu de que o grupo se preparava para abandonar a cidade, a PSP avançou - deparando-se com uma técnica administrativa da Polícia Judiciária, que agia acompanhada por um georgiano e um polaco, referenciados internacionalmente por assaltos a casas.

Esta operação policial consta de um relatório do Comando Operacional da GNR, a que o CM teve acesso, e que se debruça sobre a evolução do 'fenómeno criminal itinerante' em Portugal durante o ano passado. Ana (nome fictício da funcionária da PJ), que atualmente está colocada na Escola da PJ, em Loures, apanhada em Janeiro de 2012, em Chaves, disse estar acompanhada de amigos.

Na altura afirmou estar de baixa psiquiátrica. A PSP revistou o Renault Laguna onde se fazia transportar com os 'amigos', e na bagageira encontrou inúmeras ferramentas - gazuas e chaves de fendas - usadas nos assaltos a casas.

O caso foi comunicado ao Ministério Público e à PJ. Por não ter conseguido ligar logo o trio a nenhum assalto, a acompanhou então os suspeitos à residencial onde se encontravam hospedados e acompanhou-os para os limites da cidade. O CM sabe que 'Ana' já está a ser alvo de um inquérito disciplinar interno, cuja conclusão está dependente do resultado do processo-crime. Entretanto, mantém-se ao serviço.

Os dois suspeitos que a acompanhavam tiveram destinos diferentes. Dariusz Rogalski, um polaco de 42 anos com várias identidades falsas pela Europa, saiu do país e nunca mais voltou. Giorgi Khabarashvili, natural da Geórgia, foi preso novamente por furtos a residências pela PSP de Lisboa, em Março passado.

Aguarda julgamento em prisão preventiva. O relatório que descreve o caso de Ana, menciona sobretudo a "mobilidade" deste tipo de grupos de Leste. Os operacionais usam uma simbologia própria para marcar as casas a assaltar (ver infografia ao lado) e transferem para o estrangeiro os lucros monetários obtidos.

Caçados com bilhetes para as ilhas

A 3 de Maio de 2012, uma operação conjunta da GNR e da PSP em Portimão permitiu prender dois georgianos e dois checos por furtos a casas. Além de ferramentas usadas, e de bens furtados, o gang tinha bilhetes de avião e de barco para os Açores e Madeira, onde há sus peitasde que também atuem.

PSP DESTACA ORGANIZAÇÃO DOS GRUPOS

A PSP, órgão de polícia criminal que detém o maior número de inquéritos aos crimes de furtos de casas praticados pelos gangs da Europa de Leste, frisa a organização "quase militar" destes grupos. A distribuição de papéis e o uso de meios logísticos são previamente pensados.

ASSALTANTES DEDICAM-SE AINDA A OUTROS CRIMES

• Os grupos de Leste já detetados e desmantelados pelos órgãos de polícia criminal não se dedicam apenas a furtos de casas. Segundo a PSP e a GNR, os suspeitos também se concentram em assaltos a estabelecimentos comerciais, burlas, lenocínio, tráfico de droga e falsificação de documentos.

PORMENORES

TROCA DE INFORMAÇÕES

Os dois cúmplices da técnica da PJ que foram identificados pela PSP de Chaves estavam referenciados pela Guardia Civil, que cedeu informações à polícia.

FECHADURAS

Investigações da PSP e GNR permitiram concluir que os gangs de Leste que atuam em Portugal conseguem abrir 12 tipos diferentes de fechaduras de portas sem deixar marcas.

PASSAPORTES

Os passaportes búlgaros, lituanos e checos devem, segundo o relatório do Comando Operacional da GNR, merecer especial atenção das patrulhas, levando a contacto obrigatório com o SEF.

Testes químicos para metais preciosos

Tomas Pocius é um lituano preso pelo SEF em Abril de 2012, em Lisboa, quando se preparava para apanhar um avião para Itália. Tinha em casa, na Brandoa, réplicas de fechaduras para treinar os assaltos a casas, e ainda reagentes químicos para testar o grau de pureza de ouro e prata.
Correio da Manhã, 15-01-2013

Subsídio para advogados



Programa Impulso Jovem paga estágios a advogados

O Impulso Jovem, programa governamental de combate ao desemprego, vai dar estágios a advogados recém-licenciados. A proposta vai ser apresentada hoje pelo Governo aos parceiros sociais, segundo confirmou ontem fonte governamental ao CM.

Além dos advogados, o programa também será aberto a "outras profissões que até aqui não estavam abrangidas", mas o Executivo não divulga quais, por ainda não terem sido iniciadas as conversações com as respetivas ordens profissionais. A inclusão dos advogados no Impulso Jovem foi já debatida com a Ordem dos Advogados. O ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, revelou ontem que este programa vai ser alargado à região de Lisboa e Vale do Tejo.
Correio da Manhã, 15-01-2013

O problema do Orçamento 2013 está na sua equidade fiscal


ABEL COSTA FERNANDES'

A propósito da constitucionalidade do Orçamento para 2013, ouço comentários com os quais não posso concordar do ponto de vista técnico, que não jurídico, dada a minha condição profissional. Mas penso que a boa interpretação jurídica desta questão não se pode realizar sem o prévio conhecimento dos valores e princípios que as Constituições acolhem como direitos fundamentais dos cidadãos e deveres dos Estados. Atropelados pelas conveniências, sinto que os bons valores republicanos passam hoje por um mau momento.

Um deles acusa-o de confiscar em matéria de IRS devido às elevadas taxas marginais nos escalões de rendimento mais altos. Levando-se já em conta a sobretaxa e a taxa extraordinária de solidariedade, estamos a falar numa taxa marginal máxima de 56.5%. Penso que não há um limite constitucional para a carga fiscal que o Estado pode lançar, nem deveria haver por razões de prudência; o que se pode, e deve, é discutir a equidade da sua repartição e a utilidade social das despesas que financia.

Nos Estados Unidos, onde se não discute a Constituição e se respeita o poder do Supremo Tribunal, entre 1932 e 1981 as taxas marginais chegaram aos 91%, mesmo em tempos de paz. Agora, a mais alta é de 39,6% para matérias coletáveis acima de 400 000 dólares, qualquer coisa como 306 600 euros.

A recente deliberação do Conselho Constitucional francês que inviabilizou a taxa de 75% a aplicar naquele país confirma isto mesmo porque a fundamentação da rejeição não foi o montante, mas a forma da sua aplicação. Sendo o casal a unidade de tributação, um dos princípios de realização da equidade fiscal impõe que casais com a mesma capacidade para pagar suportem o mesmo montante de imposto. Este princípio é distinto do que estava implícito na proposta do Governo, ou seja, que o imposto a suportar por alguém deve ser superior ao devido por várias pessoas que, no conjunto, tenham um rendimento igual à daquele. Curiosamente, esse procedimento tributário era contornável com prejuízo da receita fiscal e, ironicamente, a deliberação do Conselho Constitucional pode levar à melhoria da sua eficácia contributiva, após o Governo reformular a proposta no respeito pela norma jurídica.

Contrariamente ao que também se pretende inculcar na opinião pública, aquelas taxas aplicam-se apenas às parcelas dos respetivos escalões e não à totalidade do rendimento coletável. Claro que se pode argumentar que à medida que o rendimento aumenta, a taxa média do imposto tende para o valor da taxa marginal mais alta. Contudo, também contrariamente à ideia que alguns comentadores pretendem passar, o IRS tributa os rendimentos das pessoas singulares independentemente da sua fonte, e não só os do trabalho. Os rendimentos de capitais são tributados em sede de IRS a uma taxa liberatória de 28%. Tendo em conta que o peso relativo da parcela dos rendimentos de capitais tende a aumentar com o rendimento, acima de determinados valores eles predominam sobre os do trabalho e a taxa média não tende para os ditos 56,5% mas para 28%. Quando assim acontece, o regime tributário é, na verdade, regressivo.

São bem conhecidas as várias razões pelas quais o capital é, por via de regra, tributado a taxas inferiores às que incidem sobre os rendimentos do trabalho (Fernandes, A.; A Economia das Finanças Públicas, Almedina, 2010), mas daí não decorre que elas tenham que ser constantes. É por este motivo, e possivelmente por outros, que se discute, e deve discutir, que a equidade seja fatalmente cumprida por um sistema fiscal formalmente progressivo. É importante a este respeito não sofrer de miopia fiscal, ignorando coisas importantes, entre elas a necessidade de atender a valores efetivos e não tanto aos formais consagrados pelas tabelas fiscais, assim como à própria repercussão dos impostos que faz com que a sua incidência económica seja, por norma, diferente da legal.

Um outro argumento de inconstitucionalidade é o de que a partir do último escalão o regime fiscal deixa de ser progressivo para passar a proporcional dada a constância da taxa de imposto a partir daí. Ora, é uma fatalidade que a taxa marginal de imposto se torne constante a partir de um certo valor e que por razões económicas, e eventualmente jurídicas, esse valor seja inferior a 100%. Portanto, há aqui alguma confusão quanto ao que define um regime como progressivo ou não. De resto, um regime formalmente proporcional pode ser efetivamente progressivo. De um ponto de vista técnico, o IRS para 2013 concretiza um sistema progressivo tanto quanto os dos anos anteriores. Felizmente a progressividade é quantificável. Portanto, não é a sua natureza que se deve contestar, mas a distribuição da progressividade ao longo da escala de rendimentos, e entre indivíduos consoante o setor onde trabalham, ou da sua condição enquanto trabalhadores ou pensionistas.

Espero que o futuro nos traga debates mais escorreitos e avisados nestas matérias, porque é disso que necessitamos.
Jornal de Notícias, 15-01-2013

Tempo e Constituição


Paulo Rangel

Palavra e Poder

Se a 'realidade' faz parte da norma constitucional, dificilmente pode ser vista como marginal à Constituição

1. Há para aí um mundo de comentadores e cronistas que, usando de ironia e quiçá de uma sageza intuitiva, decretaram a manifesta inconstitucionalidade da realidade. Na verdade, nas últimas semanas, mercê da corrida à fiscalização da constitucionalidade da lei orçamental e outrossim dos conteúdos do relatório do FMI, a Constituição, a sua revisão ou até a sua substituição integral andam nas bocas do mundo. Nada que se deva estranhar ou temer. Porque, como assinalou Häberle, a Constituição se dirige à comunidade aberta e plural de intérpretes, em que virtualmente se incluem todos os cidadãos, e não apenas aos juristas ou especialistas.

Sobre a Constituição e o seu sentido, sobre as normas constitucionais e o seu sentido todos podem opinar, ainda que depois tais afirmações ou posições careçam ou possam carecer de um enquadramento técnico (numa espécie de "retroversão" jurídica).

A Constituição não pode ser apenas a sede instituidora da democracia, ela própria tem de ser democrática - democrática no sentido de que está acessível a todos e de que está à disposição e na disponibilidade de todos. Não há donos, nem senhores, nem sequer pais da Constituição. É bem verdade que o Tribunal Constitucional e os seus juízes, quando interpelados para o efeito - e só nesse caso -, exprimem uma posição vinculante e preclusiva, que deve ser acatada e executada como legítima e própria.

Mas mesmo essa decisão está sujeita à crítica e à discordância e pode - como tantas vezes sucedeu e sucede - vir a ser revisitada e revista numa outra circunstância, conjuntura ou contingência.

Não por acaso, num discurso que comemorava o 25 de Abril na Assembleia da República, escrevi e disse - com escândalo de alguns capitães e com nítido desconforto dos mais puristas - que a democracia é, "de entre todos os regimes políticos, aquele que menos deve aos seus fundadores". A democracia e a Constituição estão sempre nas mãos dos cidadãos e nenhuma geração pode amarrar ou agarrar as gerações vindouras àquele que foi o seu desígnio inicial. A vinculação de uma geração ulterior à equação política da geração que a antecedeu é a negação pura e simples da democracia. A democracia é aberta ao tempo e a Constituição, enquanto instrumento que a garante, há-de ser também geneticamente aberta ao tempo (Bäumlin). No dia em que a Constituição se fechar - ou for fechada - ao tempo, o tempo encarregar-se-á de a fechar a ela…

2. Vem esta reflexão a propósito da visão "positivista" e "legalista" da Constituição e das normas constitucionais que, inexplicavelmente, ainda perdura e faz escola entre nós (e não só, diga-se em abono da verdade). Bastaria recordar os trabalhos de Rogério Soares, seja na sua obra maior (Direito Público e Sociedade Técnica), seja numa concisa entrada do Dicionário Jurídico da Administração Pública, seja em lições incompletas que circularam quase marginalmente, seja no célebre artigo "O conceito ocidental de Constituição".

Ou a estimulante monografia de Lucas Pires, publicada em 1970, com o título O problema da Constituição. Nesses trabalhos - e na corrente e na escola que os gerou e que os desenvolveu -, fica claro que a Constituição não é apenas uma norma escrita, um enunciado verbal. E que, muito mais do que isso, o seu sentido normativo resulta da interacção do articulado escrito com um conjunto de valores e com a realidade factual. A norma é, por isso, não propriamente o preceito escrito, mas o resultado interpretativo da leitura desse preceito à luz dos valores dominantes e da concreta situação real a que há-de aplicar-se.

Esta visão - que obviamente não é partilhada por todos - arranca, pois, de uma pré-compreensão quanto à essência ou, como antes se dizia, quanto ao "ser" da Constituição. E, adaptada às profundas mudanças que entretanto sofreram os Estados enquanto entidades políticas, obriga-nos a olhar para a Constituição de modo bem diferente. Por um lado, aceitando que, tal como acontece com a Constituição britânica, nem todo o ordenamento constitucional se reduz a textos escritos. Por outro lado, e reflectindo o ajustamento dos Estados à dinâmica da integração europeia e da integração global, admitindo que há matérias constitucionais reguladas fora da Constituição. Por exemplo, é evidente que os princípios constitucionais em sede económica são hoje os constantes dos tratados europeus (e não propriamente os artigos respectivos inseridos na nossa lei fundamental).

A Constituição não é, pois, susceptível de uma integral redução à forma escrita e (já) não conforma todos os domínios da "sua" competência, abrindo-se à (e articulandose com) a regulação proveniente de fontes exteriores. A que acresce que ela deve ser perspectivada como a lei básica da comunidade política no seu todo e não apenas daquilo que usávamos denominar por "Estado".

3. A admissão de uma narrativa constitucional com este conteúdo e com este alcance altera imediatamente aquelas condenações sumárias da nossa situação real a um "estádio" de inconstitucionalidade. Com efeito, se a própria "realidade" faz parte da norma constitucional, dificilmente ela pode ser rotundamente qualificada como marginal à Constituição. É também manifesto que se os princípios da necessidade e da proporcionalidade têm valor fundamental, então os imperativos da realidade têm cabimento e acolhimento jurídico. E é finalmente ostensivo, embora com sinal diverso ou até inverso, que, por mais que se alterem os textos, não há Constituição democrática sem vigência dos princípios da igualdade e da proporcionalidade que,com mais ou menos ponderação da situação real, resistirão sempre a qualquer revisão ou novação da Constituição.

Suzanne Cotter, nova directora do Museu de Serralves. Na entrevista dada à revista do Expresso ressalta a atitude de liderança, arrojo e risco de que precisa o Porto. E já agora o país.

Petição em defesa do cão que matou uma criança. Os animais merecem cuidado e afeição, mas não podem equiparar-se à pessoa humana. Uma família devastada carece do nosso respeito, solidariedade e compaixão.
Público, 15-01-2013

Denúncias da ministra da Justiça já analisadas acabaram arquivadas


A ministra da Justiça está a perder a batalha contra as alegadas irregularidades no apoio judiciário. Há um ano, uma auditoria do ministério apontava o dedo a 4 mil e 500 advogados, suspeitos de cobrarem ao Estado mais do que deviam. As denúncias de Paula Teixeira da Cruz começaram a ser investigadas mas todos os casos concluídos até agora acabaram por ser arquivados.
Sic Online, 15 Janeiro 2013

FIO DE PRUMO: Sem dó nem piedade


Aos políticos corruptos nunca são assacadas nenhumas responsabilidades pelos seus atos. Violam leis e regulamentos, patrocinam negócios ruinosos para o Estado, enriquecem de forma obscena e nada lhes acontece.
Até hoje, a impunidade tem sido absoluta. O regime jurídico da tutela administrativa impõe, por exemplo, a perda de mandato num conjunto de circunstâncias. Na prática, Macário Correia ou Valentim Loureiro foram condenados pelos tribunais em perda de mandato, mas continuam em funções.
A legislação estabelece responsabilidade criminal aos titulares de cargos políticos que violem regras urbanísticas. No entanto, as alterações ilícitas aos planos diretores são prática comum, com ganhos milionários para os promotores imobiliários que financiam os partidos. Por todo o país nascem edifícios ilegais, do Vale do Galante na Figueira da Foz, ao edifício Cidade do Porto… mas a culpa sempre morre solteira. Enquanto em Espanha há mais de cem autarcas presos por crimes urbanísticos, em Portugal nem um! Nem sequer Isaltino Morais, várias vezes condenado, está preso.
Também nunca são acusados os responsáveis pelos desvios orçamentais. Quem contrate à revelia do orçamento incorre em responsabilidade criminal. Mas até hoje não há condenados, não obstante os milhares de milhões de desvios nos orçamentos na administração central e local. Como também não há responsabilização dos políticos que contratam negócios ruinosos para o Estado, tal é o caso das parcerias público-privadas. Além do mais, jamais são recuperados os bens que os corruptos subtraem à sociedade. E seria bem simples, afinal. Os edifícios ilegais deveriam ser demolidos ou, em alternativa, expropriados por valor zero. As fortunas acumuladas na sequência de fraude fiscal ou de processos de corrupção como o do BPN deveriam ser confiscadas. Apreendendo tanto o património detido em território nacional, como até os depósitos em bancos estrangeiros; à semelhança do que outros países vêm fazendo, como a Alemanha, a França, a Itália ou até a Grécia. Já vai sendo tempo de punir políticos corruptos, retirando-lhes mandatos, obrigando-os a responder perante a justiça e confiscando-lhes as fortunas que têm vindo a acumular à custa do que roubam ao povo português.
Paulo Morais Professor universitário
Correio Manhã, 15 Janeiro 2013

OCDE está em Lisboa para ajudar na reforma do Estado


Missão de dois dias é exploratória e visa definir moldes da colaboração que será diferente do estudo do FMI – mais abrangente e menos detalhada.
Mónica Silvares e António Costa
monica.silvares@economico.pt
As reuniões do Governo com técnicos da OCDE iniciaram-se ontem e vão decorrer ainda durante o dia de hoje, apurou o Diário Económico.
Trata-se de uma missão exploratória de dois dias que definirá os trâmites da colaboração que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) poderá dar ao Executivo no âmbito da reforma do Estado. Tal como o Diário Económico já tinha avançado a semana passada, a OCDE é uma das instituições que deverá ajudar o Governo, com os seus contributos, a definir uma estratégia para cortar quatro mil milhões de euros na despesa pública.
O secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas, é o ‘pivot’ no Executivo para estes contactos que surgem na “na sequência de contactos já mantidos com responsáveis da OCDE” a propósito do corte de despesa, confirmou fonte governamental à Lusa na sexta-feira.
A equipa da OCDE que está em Lisboa tem vários técnicos e é liderada pelo luso-brasileiro Luiz de Mello, vice-chefe de gabinete do secretário-geral da OCDE, Angel Gurría. Um cargo que ocupa desde Dezembro de 2011. Até lá era conselheiro económico do economista-chefe da OCDE, Pier Cario Padoan.
O contributo da OCDE para a reforma do Estado juntar-se-á ao já conhecido relatório do Fundo Monetário Internacional, mas será diferente. A ideia é que o trabalho da OCDE seja mais abrangente do que o do FMI, focado em mais áreas e com propostas menos concretas, sabe o Diário Económico. Também não está previsto que este estudo esteja pronto a tempo de ser apresentado pela sétima avaliação da ‘troika’ que regressa a Lisboa em Fevereiro, até porque trabalhos desta natureza normalmente levam cerca de dois meses a ser elaborados.
A reforma do Estado vai ainda contar com outros contributos como o da conferência “Pensar o Futuro – um Estado para a Sociedade”, organizado pela exdirigente do PSD Sofia Galvão, a pedido do primeiro-ministro, para envolver a sociedade civil na discussão da reforma do Estado, que decorre hoje e amanhã no Palácio Foz. O presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’01iveira Martins, um dos oradores de hoje da conferência, ontem já reagiu ao relatório do FMI dizendo que as políticas a seguir pelo Governo devem ser definidas em Portugal, e não por “economistas visitantes”.
Mas o Governo vai ainda contar com a colaboração do Banco de Portugal, do Conselho das Finanças Públicas e da Fundação Calouste Gulbenkian que promovem a 28, 29 e 30 de Janeiro uma conferência também sobre a reforma da organização e gestão do sector público em Portugal. Além disso a Gulbenkian, tal como o Diário Económico avançou na edição de ontem, convidou ainda um conjunto de personalidades internacionais da área da saúde a apresentar, em Fevereiro, um estudo com propostas concretas para o Sistema Nacional de Saúde português. ¦ Maioria quer propostas socialistas para definir futuro da ADSE
Álvaro Beleza defendeu a extinção da ADSE e foi desmentido por Carlos Zorrinho.
Filipe Garcia filipe.garcia@economico.pt
De manhã o PS defendia, através do seu coordenador para a saúde, a extinção da ADSE. Horas mais tarde, Carlos Zorrinho, líder parlamentar socialista, desmentia. Pouco depois, dois ex-ministros socialistas, Correia de Campos e António Arnaut, vinham a público defender a posição de Álvaro Beleza, o actual coordenador socialista para a Saúde. Pelo meio, Miguel Relvas, ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, e Adolfo Mesquita Nunes, lamentaram a confusão socialista. “Pelos vistos, o PS tem maior dificuldade em coordenar as suas mensagens do que os outros, nomeadamente que o Governo”, disse Fernando Leal, secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, que também reagiu às diferentes posições socialistas!
“É uma proposta que me parecia particularmente positiva, mas estamos à espera que o PS diga qual é a posição que vale, se a do porta-voz para o sector e membro da direcção, se a do líder parlamentar”, disse Miguel Relvas. Adolfo Mesquita Nunes, deputado do CDS, também lamentou o recuo. “Acordámos hoje de manhã com uma proposta do porta-voz para a área da Saúde do PS defendendo a extinção da ADSE como medida para combater a injustiça e, pouco tempo depois, ela foi desmentida”, disse antes de considerar o volte-face como “a caricata circunstância de ver o PS recusar as propostas de corte na despesa apresentadas pelo próprio PS”.
Quando questionado se defendia o fim da ADSE, Álvaro Beleza respondeu, ao “Jornal de Notícias”, “claramente”. Mas Carlos Zorrinho diria que “o PS não é a favor da extinção da ADSE”. “É a opinião pessoal do coordenador, mas não é a opinião do PS. Em todas as áreas de trabalho, o PS está a desenvolver um debate interno. Nesse caso em concreto, não somos a favor da extinção da ADSE”, concluiu Zorrinho que não quis comentar se o diferendo de opiniões iria custar a posição de coordenador para a Saúde a Álvaro Beleza.
“Nessa entrevista expressei opiniões pessoais que só a mim vinculam. Algumas dessas opiniões são coincidentes com as posições oficiais do PS e outras não. No que diz respeito à ADSE, o líder do grupo parlamentar já reafirmou qual a posição do PS. Posição que respeito e sempre respeitei”, esclareceu, ao final do dia, Beleza no Facebook onde ainda lamentou “o aproveitamento miserável que o ministro Relvas, o PSD e o CDS estão a fazer. Relvas, o PSD e o CDS sabem muito bem qual é a posição do PS”. No entanto, se Zorrinho pa rece certo que o PS não defenderá a extinção da ADSE, dois barões socialistas saíram em defesa de Beleza. Correia de Campos, ministro da Saúde nos governos de José Sócrates, considerou “essencial encontrar uma solução alternativa à ADSE”. “O que o Álvaro Beleza propõe não é a extinção pura e simples, mas a sua integração no Serviço Nacional de Saúde e a criação de um mecanismo de mutualização social”, disse o ex-ministro nas jornadas parlamentares do PS a decorrer até hoje em Viseu. Também António Arnaut, ministro de Mário Soares e considerado o pai do SNS, reagiu à polémica. “Os subsistemas de saúde devem tendencialmente acabar”, disse ao “Sol”.
REACÇÕES AO RELATÓRIO DO FMI
“O TC não toma decisões políticas”
“O Tribunal Constitucional não toma decisões políticas, pois as suas decisões inscrevem-se no quadro da sua competência”. É desta forma que o ex-presidente do TC, Rui Moura Ramos, afasta, em declarações ao Diário Económico, a forma como será feita a avaliação aos pedidos de fiscalização sucessiva a algumas das normas constantes do Orçamento do Estado para 2013, numa altura em que o relatório do FMI sobre os cortes das funções sociais do Estado poderia ser considerado como uma pressão junto dos 13 juizes do Palácio de Ratton.
Moura Ramos rejeita fazer este nexo de causalidade entre a divulgação do relatório do FMI, que tem na linha da frente cortes de funcionários públicos e nas pensões, e o facto de este poder condicionar a análise que o TC está a fazer ao OE/13, e diz ter “toda a confiança nos juizes e na sua capacidade de decidir esta, como qualquer outra, questão”.
O ex-presidente do TC tem a convicção de que “será dada prioridade” à fiscalização da constitucionalidade das normas do OE/13 suscitadas pelo Presidente da República e pela oposição. “O ‘timing’ será encurtado”, antecipa, recusando fazer cálculos quanto ao tempo que demorará a avaliação da constitucionalidade. Tem sido apontado que será encurtado de seis para três meses. Ainda assim, Moura Ramos frisa que, este ano, serão analisadas “mais normas que implicam um tratamento diferente, mas igualmente complexo”.
Cavaco enviou para o TC três normas: a suspensão do subsídio de férias dos funcionários públicos, a suspensão do mesmo subsídio para reformados e a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). O Chefe de Estado admitiu ter dúvidas sobre “a justa repartição dos sacrifícios”. A estas normas juntamse ainda o corte nos salários dos funcionários públicos, a sobretaxa de IRS de 3,5%, o corte nas horas extraordinárias, cortes no subsídio de doença e desemprego, redução dos escalões do IRS, constantes nos pedidos de fiscalização enviados pelo PCP, BE e PEV.
Sobre os próximos tempos e o impacto das medidas de austeridade, o ex-presidente do TC alerta: “Vamos passar um período difícil, não tenho qualquer dúvida”. Afirma esperar que Portugal ultrapasse “esta dificuldade”, mas realça que “é preciso procurar a coesão”, numa clara referência à sociedade civil, partidos políticos, parceiros sociais e Governo. Moura Ramos frisa que “o esforço de procura dessa coesão tem de ser de feito de forma a que nos una a todos”, pois, conclui, “o país pretende ultrapassar esta crise”.
L.S.
“Relatório do FMI merece respeito”
O ex-ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, defende que “deve ser respeitado” o relatório do FMI, que aponta para um menu de cortes na despesa do Estado, com enfoque na Função Pública e pensões.
“O pior, estando nós como estamos, é fazer disto pura luta partidária e pretender condenar, quase sem leitura e a leitura demora tempo, um documento que merece respeito técnico, gostemos ou não do que lá está”, disse ao Diário Económico o ex-ministro de Cavaco Silva.
Para Miguel Cadilhe o relatório do FMI, que servirá de base às opções políticas do Governo para cortar quatro mil milhões de euros nas funções sociais do Estado, deve ser visto e estudado como “um importante documento técnico”. E justifica: “Trata-se de um contributo técnico, como outros haverá e ainda bem que assim é para que da discussão nasça a melhor e mais bem fundamentada escolha política de reconceituar o Estado, escolha que será sempre muito difícil e caberá ao Governo e ao Parlamento tomar”.
Segundo o ex-governante, o documento “é denso e analítico, contém muita informação e matéria de facto, que pode ser validada, ou não”, realçando que inclui propostas que “devem ser discutidas, sem cair no erro de menosprezar ou de exaltar o seu conteúdo”. Cadilhe conclui: “Deve ser ponderado no mesmo pé que outras opiniões técnicas qualificadas”, recordando que deu estes contributos, aquando da publicação do livro, em 2005, “0 sobrepeso do Estado em Portugal”. “Quando o escrevi o livro, o rácio da dívida pública/PIB estava à volta dos 60%. Quase nada se fez e quase todos os políticos não quiseram ver. Até 2010 ou 2011 aumentou-se o Estado corrente e prosseguiu-se na via das péssimas afectações de recursos públicos. Agora as circunstâncias são muito mais difíceis e dolorosas, o mando é outro e vem de fora, os sacrifícios têm de ser muito maiores e mais bruscos, não há o gradualismo nem há a soberania que teriam sido possíveis em 2005″, alerta. L.S.
Diário Económico, 15 Janeiro 2013

Mãos ao ar! Isto é uma retenção na fonte!


O Governo publicou ontem em Diário da República as tabelas de retenção na fonte que confirmam o aumento brutal dos impostos que os portugueses vão suportar este ano. Quando abrir as tabelas para ver qual é a taxa que se aplica ao seu salário levante os braços: é um verdadeiro assalto fiscal. E a isso ainda falta somar a sobretaxa de 3,5%. E nem a cosmética do pagamento dos subsídios em duodécimos vai chegar para disfarçar este confisco.
As tabelas de retenção na fonte de IRS nada mais são do que a materialização do caminho que o Governo escolheu para o Orçamento do Estado para 2013, o pior da história da nossa democracia. Mas não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Com a conivência da ‘troika’, o mal está feito e o que se deve exigir agora ao Governo é que avance, o mais rapidamente possível, com a reforma do Estado para conseguir ter margem para reverter, se não todas, pelo menos, algumas das subidas de impostos.
Mas a discussão ainda vai no adro. Os dois maiores partidos do arco da governação ainda estão a discutir se o Governo tem ou não legitimidade para fazer a reforma do Estado? Pedro Passos Coelho acha que sim. António José Seguro acha que não. O primeiro-ministro acha-se legitimado pelos votos que os portugueses deram ao PSD nas eleições de Junho de 2011. Já o líder do maior partido da oposição diz que o Governo “não tem legitimidade ou mandato” para “fazer o contrário daquilo que prometeu” nas últimas eleições.
Ambos têm razão. Ou melhor, nenhum deles tem. É verdade que Passos Coelho ganhou as eleições com um discurso antiausteridade. Se o Passos Coelho que se candidatou às eleições se cruzasse hoje na rua com o Passos Coelho primeiro-ministro eram capazes de nem se falarem. Mas se formos pela lógica de António José Seguro também José Sócrates não tinha legitimidade para implementar o PEC I, o PEC II, o PEC III e o PEC IV.
Infelizmente, as promessas e os programas eleitorais em Portugal valem o que valem, ou seja, não valem nada. Por esta lógica, que é triste mas é a realidade, Passos Coelho tem legitimidade para encetar a reforma do Estado. Tendo essa legitimidade, que lhe é conferida pela necessidade de reverter a subida brutal dos impostos, Passos Coelho tem de assumir o ónus da reforma e não se pode esconder atrás do relatório do FMI.
Até agora tem sido relativamente fácil governar: aumentam-se os impostos e aponta-se o dedo à ‘troika’. O programa de assistência financeira, até por ter sido assinado pelo PS, tem dado ao Governo a desculpa perfeita e o necessário respaldo político para as medidas de austeridade. A ‘troika’ tem servido de desculpa para tudo. É porque a ‘troika’ pode! É porque a ‘troika’ quer! É porque a ‘troika’ manda! Tem sido uma espécie governação em outsourcing.
Mas a reforma do Estado não faz parte do memorando da ‘troika’. O Governo vai fazer a reforma para repor os impostos em níveis aceitáveis. Mas vai ter de assumir sozinho o ónus político das escolhas que vier a fazer. E não vale a pena pedir ao PS que apresente as suas propostas ou achincalhar os socialistas por causa da trapalhada da ADSE. Quem tem de apresentar as medidas para cortar na despesa é o Governo. Se o Governo diz que está mandatado para governar, então que governe para se apresentar nas próximas eleições com uma tabela de retenção que não o envergonhe.
Diário Económico, 15 Janeiro 2013