segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Justiça e economia

Correio da Justiça

Por: Rui Cardoso, Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
A relação directa entre qualquer morosidade judicial em Portugal, a produtividade do País e o investimento estrangeiro (ou ausência dele) continua a ser afirmada por uns e negada por outros, como vimos na abertura do ano judicial.
Os estudos que o afirmam assentam em meras percepções dos entrevistados, normalmente empresários, mas, curiosamente ou não, estas são menos negativas entre aqueles que de facto têm contacto com o sistema. Não explicam os mesmos estudos por que motivo o investimento estrangeiro industrial foi desviado (não só de Portugal, mas da generalidade das democracias ocidentais) para países com sistemas de justiça incomparavelmente piores e mais lentos. Não será que procuraram apenas menores custos de mão-de-obra (salários e direitos sociais)? Ou mesmo que fugiram a países com Constituições eficazes, direitos sociais definidos e instituições judiciais fortes que os garantem? Seja como for, a Justiça nunca se deverá submeter à Economia. O seu único senhor deverá ser sempre o Direito. Pelo menos em qualquer Estado que queira ter esse título.

Tribunal de Contas aponta ilegalidades em 14 contratos para fornecer comida a cadeias

PEDRO SALES DIAS 

Público - 04/02/2013 - 00:00
Segundo o TC, os contratos não podiam ser renovados. Dirigente alegou que as prisões ficariam sem comida por três meses
A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) prorrogou quatro contratos de fornecimento de serviços de alimentação confeccionada a 32 cadeias em todo o país de forma ilegal. Em causa estão contratos no valor de mais de três milhões de euros renovados em 2011. O Tribunal de Contas (TC), num relatório recente ao qual o PÚBLICO teve acesso, considera que quatro dos 14 contratos, celebrados já em 2007, 2008 e 2009, não poderiam ser prorrogados. Já tinham sido renovados duas vezes e alcançado o limite previsto.
De acordo com os magistrados, os contratos, usados pela DGSP em Março de 2011, só poderiam ter legalmente vigorado até Dezembro de 2010. O TC considera que os contratos "adicionais" eram, na verdade, contratos novos, pelo que deveriam ter sido sujeitos a concurso público e à fiscalização prévia do tribunal - o que não se verificou. "A prorrogação do respectivo prazo não era admissível. Tratando-se de contratos novos e não meras prorrogações, o procedimento prévio à adjudicação legalmente exigível era o concurso público", diz o tribunal.
Os magistrados imputam as irregularidades à directora dos Serviços de Gestão de Recursos Financeiros e Patrimoniais e à subdirectora-geral dos Serviços Prisionais, mas concluem pela inexistência de responsabilidade financeira das mesmas, por não terem agido com dolo e por atender aos seus argumentos, não aplicando sanção. "É uma opinião do tribunal. O processo foi arquivado", disse ao PÚBLICO o director-geral dos Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes.
As responsáveis indicadas alertam, na fase de alegações citadas no relatório do tribunal, que o lançamento de um concurso público "com publicidade internacional" como os magistrados exigem "nos termos preconizados no relato de auditoria, deixaria a população reclusa sem se alimentar aproximadamente três meses". Isto porque, alegam, o concurso teria "um prazo de execução de 85 dias", o que iria ultrapassar o mês de Janeiro e criar um vazio de tempo entre a impossibilidade de renovar contratos anteriores e a necessidade de novos contratos. Dizem ainda que esta "se mostrou a única via possível para que o Estado pudesse cumprir uma obrigação vital que sobre si impende, de ordem constitucional e supraconstitucional", remetendo para a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que é a "obrigação de assegurar que a população reclusa é alimentada". O próprio tribunal assume que essas "são circunstâncias relevantes que militam a favor" das responsáveis, assim como o facto de "não terem agido com dolo".
Para além disso, a celebração dos contratos adicionais foi autorizada por despacho dos então ministro da Justiça e do ministro de Estado e das Finanças em Março de 2011, sublinha o relatório do tribunal datado de final do ano passado.
Segundo o TC, as ordens de pagamento, que permitiram realizar a despesa em causa, foram assinadas, quando os contratos em causa já não vigoravam legalmente. O Tribunal de Contas salienta também que, apesar das etapas legais não cumpridas, o montante previsto nos contratos foi quase todo utilizado. "Constatou-se, porém, que os contratos em apreço produziram todos os efeitos materiais e quase todos os efeitos financeiros antes que este tribunal se pronunciasse, em sede de fiscalização prévia, sobre os mesmos", refere o documento que evidencia "ilegalidades" na contratação.
"Tendo-se verificado que a quase totalidade dos pagamentos foram autorizados e efectivamente realizados, sem que os contratos que lhes deram origem tenham sido apreciados por este tribunal, em sede de fiscalização prévia, conclui-se que com a prática destes actos (...) se está perante violação das normas sobre pagamento de despesas públicas", referem ainda os juízes.
Os magistrados lembram ainda no relatório que a "DGSP é uma entidade compradora vinculada, pelo que lhe está vedada a possibilidade de adoptar procedimentos tendentes à contratação directa de bens ou serviços relativamente aos quais já existam acordos quadro celebrados pela Agência Nacional de Compras Públicas". A DGSP pretendia estender o prazo dos contratos para assegurar o fornecimento do serviço até à conclusão de um concurso em curso, mas um dos concorrentes apresentou uma providência cautelar que "fez suspender os prazos", sendo por isso necessário celebrar "novos adicionais", admite o Tribunal de Contas.

Magistrados esperam há sete meses reembolso de gastos com deslocações

MARIANA OLIVEIRA 

Público - 04/02/2013 - 00:00
Ministério da Justiça deve 173,7 mil euros a juízes e procuradores. Reforço de verba aguarda há meses autorização do ministro das Finanças. Transporte de magistrados custou mais de 584 mil euros em 2012
Há juízes e procuradores que estão há sete meses à espera de serem reembolsados pelas despesas que tiveram com deslocações de serviço. O montante em falta atinge mais de 173,7 mil euros. As queixas têm chegado à Associação Sindical dos Juízes Portugueses, mas apesar da insistência junto da tutela a dívida ainda não foi liquidada. O Ministério da Justiça reconheceu ao PÚBLICO que desde Julho de 2012 a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) não paga aos magistrados e diz estar a aguardar autorização do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, para reforçar aquela rubrica orçamental.
Contactada pelo PÚBLICO, a assessora de imprensa do Ministério das Finanças, Paula Cordeiro, remeteu o caso para a Justiça e não deu mais esclarecimentos sobre o assunto. Já o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Mouraz Lopes, lamenta o atraso e diz que alguns magistrados chegam a gastar mensalmente mais de mil euros em deslocações. "Há quem adiante ao Estado centenas de euros por mês e alguns até mais. É um valor muito significativo no orçamento dos juízes", sublinha Mouraz Lopes.
O dirigente precisa que está a acompanhar este problema desde Outubro, na sequência de queixas feitas por vários colegas. "O Ministério da Justiça nunca negou o nosso direito a receber a verba, mas repete que não tem verba para pagar", relata o juiz desembargador. Mouraz Lopes diz que houve uma promessa da DGAJ que garantiu resolver o problema até ao final de Janeiro, mas até ao momento os magistrados ainda não foram reembolsados.
A maior parte da dívida diz respeito a deslocações em serviço feitas por juízes ( quase 147 mil euros). Os procuradores aguardam o reembolso de 22 mil euros e os magistrados dos tribunais administrativos e fiscais 4391 euros. Os números não são finais, já que o Ministério da Justiça admitia que ainda estava a processar, no início do ano, alguns boletins de pagamento entregues no final de 2012.
Mouraz Lopes explica que há juízes que, pelas funções que exercem, são obrigados a deslocar-se dezenas e até centenas de quilómetros por semana. É o caso dos juízes colocados nos Tribunais de Execuções de Penas, que se têm de deslocar aos estabelecimentos prisionais para ouvir os reclusos e decidir se estes estão ou não em condições de beneficiar da liberdade condicional. "Os juízes de execução de penas de Coimbra têm que se deslocar a Castelo Branco, Viseu, Guarda...", exemplifica o presidente da ASJP. E é "raríssimo" estes magistrados terem um carro de serviço. Por isso, viajam em viatura própria, de táxi ou de comboio. Também os juízes de círculo são obrigados a movimentarem-se pelos tribunais da ou das comarcas que integram a sua área de intervenção, para integrarem os colectivos que julgam os casos mais graves.
As contas provisórias do Ministério da Justiça relativas ao ano passado apontam para um gasto de 312 mil euros em deslocações de serviço feitas pelos magistrados e de 272,7 mil euros gastos em transportes públicos, a maior parte dos quais em deslocações entre a residência e o local de trabalho.
Os juízes gastam mais dinheiro em deslocações de serviço, quase 187 mil euros, comparado com os procuradores que desembolsaram em viagens de serviço 101,6 mil euros. Contudo, o Estado gasta mais com os magistrados do Ministério Público (130 mil euros com os procuradores e perto de 114 mil com os juízes) no pagamento dos transportes públicos gratuitos a que todos têm direito. Normalmente as despesas relacionam-se com passes de metro, autocarro ou comboio.
O Ministério da Justiça reconhece que a maior parte deste último montante corresponde a deslocações entre a residência e o local de trabalho, não conseguindo distinguir as viagens feitas em serviço das primeiras.
Alguns destes direitos têm sido discutidos, tendo-se ponderado retirar no Orçamento de Estado deste ano o direito dos magistrados ao transporte público gratuito. Recorde-se que, por princípio, os magistrados são obrigados a residir na comarca onde exercem funções. Mas excepcionalmente podem ser autorizados a viver fora da sua área de intervenção. Apesar de isso se traduzir, na maioria das vezes, num benefício para os juízes e procuradores, que assim evitam despesas com uma outra habitação, tal permite aos visados beneficiar de transporte público gratuito entre a residência e o local de trabalho. Nos últimos anos, o Conselho Superior do Ministério Público tem discutido este direito e já deu autorizações de residência para fora da sede do tribunal, retirando aos visados o direito ao transporte gratuito.

“No saldremos de esta si persistimos en el egoísmo”

El presidente del Tribunal de Cuentas portugués afirma que por cada euro que gasta, hace ahorrar nueve a los contribuyentes
Guilherme d’Oliveira Martins, de 60 años, ha sido diputado y ministro con varios Gobiernos socialistas. Con el Gobierno conservador, es presidente del Tribunal de Cuentas portugués, una institución que, según él, por cada euro que gasta, hace ahorrar nueve a los contribuyentes. Es independiente, respetado en Portugal y su nombre ha sonado como hipotético (aunque improbable) presidente de un Gobierno de coalición.
Respuesta. El país tuvo momentos difíciles y siempre consiguió superarlos. Yo hice un trabajo sobre la historia de las finanzas en Portugal y le aseguro que hubo momentos más difíciles.
P. Portugal regresó hace unos días a los mercados. ¿Esto es el final del túnel o un espejismo?
R. El país está cumpliendo sus compromisos con la troika. No estamos al final del túnel pero sí más cerca. Pero esta crisis no la supera un país solo. Fue crucial la actuación del BCE y Draghi.
P. Pero esto no se refleja en la economía de la calle. ¿Es conveniente aún la austeridad?
R. La austeridad no es un fin en sí mismo. La austeridad es instrumental y yo prefiero un Estado sobrio, que debe ser permanente. No vivir por encima de los recursos que tenemos es una de las lecciones de esta crisis. Pero la austeridad no debe llevar el retroceso de la calidad de los servicios públicos. Desde 1974, Portugal ha avanzado mucho y no podemos retroceder. Tras superar esta etapa de austeridad, debemos apostar fuertemente en inversión para crear empleo. Pero una inversión que tenga efectos europeos y no solo efectos nacionales.
R. El Tribunal de Cuentas asegura que hay tres campos en los que es esencial que no haya retroceso: sanidad, educación y la cobertura de Seguridad Social.
R. Pues ahí no se pueden hacer recortes a ciegas. Recuerdo un gráfico que salió hace poco en EL PAÍS donde se aseguraba que Portugal tenía el costo más bajo por paciente y una de las mayores calidades por servicio.
P. ¿Cómo se llegó a esta crisis?
R. Por la ilusión del desarrollo a corto plazo. Esta ilusión llevó, por ejemplo, a que los países más desarrollados de Europa presionaran a los menos para utilizar rápidamente los Fondos de Cohesión, sin vistas al largo plazo y al desarrollo productivo. No hay países buenos y países malos.
P. ¿Ve riesgo de estallido social por los recortes?
R. Es indispensable que las instituciones estén más atentas a los ciudadanos y a sus problemas cotidianos. Esto no quiere decir que se consulte a la ciudadanía a cada paso, cosa que ahora, con los teléfonos móviles, se podría hacer. Eso sería sustituir las instituciones por la tiranía del número. Tenemos que crear instrumentos nuevos de participación, como, por ejemplo, los presupuestos participativos en el área local.
P. La corrupción también solivianta a la población…
R. La indignación no basta. Hace falta más transparencia, que los ciudadanos sepan adónde van sus euros. Una administración moderna debe ser una institución transparente, informada y que dé voz a los ciudadanos, donde no haya favores, porque la corrupción empieza en un favor y acaba en un crimen.
P. ¿Cuándo saldremos?
R. Tenemos condiciones para comenzar a salir. 2013 va ser crucial para dar signos. Pero no saldremos si persistimos en el egoísmo y en la fragmentación.

Un juez dormido

Los suizos votan, con ejemplaridad democrática, tener un legítimo Estado delincuente
Hay un hombre honesto que está ahora mismo luchando por su vida en un hospital de Madrid. Se llama Antonio Pedreira, es magistrado y fue el instructor, después de Baltasar Garzón y antes de Pablo Ruz, del caso Gürtel. Por sus manos pasaron decenas de miles de folios con declaraciones de acusados, testigos y pruebas periciales.
Pedreira consumió muchas horas, miles de horas, de su tiempo, de su tasado tiempo, en la tarea de activar mecanismos para que las instituciones bancarias de Suiza abrieran sus archivos para que se pudiera comprobar el listado de cuentas abiertas de los presuntos, y no tan presuntos, implicados en la trama de saqueo que la policía había bautizado con el nombre de Gürtel en honor al más que presunto organizador, Francisco Correa.
Pedreira, con los escasos medios que la justicia española da a sus agentes, se pasó meses de su vida, de su tasado tiempo, enfrentado a los mejores despachos de abogados españoles, cuya tarea fundamental en este caso era (y puede que siga siendo) obstaculizar las investigaciones con el fin de dilatar los plazos legales y que las acciones llegaran a prescribir.
Los abogados de Correa, los abogados de Francisco Camps y de unos cuantos presuntos más, realizaban una tarea legítima desde el punto de vista del derecho, que consistía en obtener para sus defendidos o bien la absolución o bien la menor de las penas posibles. Esa actividad es, hay que insistir, legítima. Como, por ejemplo, es legítimo en nuestro entramado legal que alguien pueda mentir para defenderse en un juicio.
Hay más cosas legítimas en el mundo. En España es legítimo retrasar un procedimiento, porque la ley lo permite. En Francia se ha juzgado a Strauss-Kahn en pocos meses. Aquí es impensable algo así.
En un país como Suiza en el que la democracia está muy arraigada, sus ciudadanos mantienen un sistema envidiable que convierte a su Estado en un legítimo delincuente, a partir de las leyes que protegen el secreto bancario. En Suiza están más protegidos los delincuentes extranjeros que evaden a las Haciendas de sus países que los estafados por esos delincuentes. Porque eso es parte del negocio, del PIB del país. Las comisiones rogatorias que ha enviado, por ejemplo, el juez del caso Gürtel han encontrado unos obstáculos que solo con enorme esfuerzo y mucho tiempo se van superando. Tuvo menos problemas Luis Bárcenas para que el banco que acogía sus 22 millones de euros, el Dresdner Bank, le comunicara que estaba siendo objeto de investigación, tres meses antes de que se pudieran escrutar sus cuentas. La última, el do de pecho de la justicia suiza, ha sido la de intentar denegar datos porque estaban en la famosa lista Falciani.
Hace unos años, no tantos, salieron a la luz las complicidades de instituciones y ciudadanos suizos con los negocios fruto del llamado expolio nazi. Y eso los suizos lo permitieron, ejerciendo un derecho que resulta ejemplar por su transparencia.
Podemos ir también a la City londinense, donde se acuñó un feliz término, el de los PIGS, para referirse a los países donde se acumulaban los problemas financieros por culpa de una innata tendencia al golferío: Portugal, Irlanda, Grecia y España. Pig, por si alguien no lo sabe, significa cerdo, en inglés.
Ese apelativo cariñoso se lanzó desde el centro donde directivos de bancos tan honorables como Barclays, HSBC y algún otro pactaban, mientras tomaban algún que otro trago en una elegante cafetería o en el Blackfriars, los intereses para forrarse a costa de los clientes. Elegantes, con traje cruzado de rayas. Delincuentes de alcurnia, mal nacidos, puestos a definirles con precisión.
En ese tipo de cuevas es donde han encontrado refugio algunos tipos como Bárcenas, que parece ser que se va definiendo como el centro de la Gürtel, una red inmensa de blanqueo de dinero que ha gozado de la protección de un Estado cómplice de delincuentes como es el suizo y de elegantes redes de intereses cruzados como los que defiende el primer ministro inglés, David Cameron. Los privilegios de la City de Londres y la legislación sobre el secreto bancario de Suiza son buenos trozos de PIB.
¿El Partido Popular español también le ha protegido?
Pablo Ruz continúa con su tarea de indagación contra una maraña legítima, evitando incurrir en alguna práctica irregular que pudiera llevarle a ser aparcado del caso. Le vigilan mil ojos de abogados caros.
Antonio Pedreira ya no puede. Es posible que no pueda despertar de su sueño.
EL PAÍS