sábado, 23 de fevereiro de 2013

PGR confirma inquéritos à Tecnoforma


Inês David Bastos   
Passos pediu esclarecimento a Joana Marques Vidal, que diz que inquéritos não correm "contra pessoa determinada".

A Procuradoria Geral da República admitiu hoje que correm dois inquéritos sobre a empresa Tecnoforma, onde trabalhou Passos Coelho, mas acrescenta que "não correm, à data, contra pessoa determinada".

Num comunicado enviado às redacções, o gabinete da procuradora Joana Marques Vidal diz faz o esclarecimento a pedido do próprio primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, uma vez que foi citado em notícias esta semana.

"Relativamente a actividades da empresa "Tecnoforma", correm termos dois inquéritos em segredo de justiça - um inquérito no DIAP de Coimbra e outro no Departamento Central de Investigação e Acção Penal", esclarece a PGR.

"Tais inquéritos não correm, até à data, contra pessoa determinada", acrescenta.

As notícias a respeito dos inquéritos à empresa com ligações a Passos Coelho e Miguel Relvas surgiram na sequência da não renovação da comissão de serviço da procuradora Cândida Almeida à frente do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Económico Digital, 23-02-2013

UM PONTO É TUDO: Diário "de" Notícias Diário "da" República



por FERREIRA FERNANDES

Ontem, o Expresso titulava: "Cavaco deteta erro na lei de limitação de mandatos". O artigo dizia que o texto publicado, em 2005, no Diário da República sobre a lei da limitação de mandatos não corresponde ao que foi aprovado pela Assembleia da República. E citava "fonte de Belém" que dizia que os serviços da Presidência ao "detetarem" o erro - a troca de um "da" por um "de" - "alertaram" a presidente da AR, Assunção Esteves. Ora, há três semanas, a 30 de janeiro de 2013, publiquei, aqui, uma crónica intitulada "O eterno lobby da vírgula." Nela, eu perguntava: "Não conhecem a história do "da" que virou "de"?" E eu contava como, em 2005, a proposta de lei sobre mandatos, desde que foi apresentada pelo Governo, até ao decreto de publicação da AR, passando pelo que foi votado, falava sempre em "presidentes da câmara". E denunciei o facto de a lei, ao aparecer no Diário da República (Lei 46/2005 de 29 de agosto), falar em "presidentes de câmara"... Sobre a diferença entre a preposição "de" com ou sem o artigo definido "a" disse, então, o que tinha a dizer e é assunto que agora apaixona os partidos (ontem, choveram declarações). Mas, hoje, quero lembrar aquele meu patrício luandense que prendeu um gatuno. Quando este estava a ser levado pela polícia, o meu patrício insurgiu-se: "O gatuno é meu!" Belém não diga que "detetou" no Diário "da" República o que pescou aqui no Diário "de" Notícias. Obrigado.
Diário de Notícias, 23-02-2013

CANAL LIVRE: A PGR e a Justiça


por JOÃO MARCELINO

1- A saída de Cândida Almeida do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que investiga a grande criminalidade, não deveria ser uma notícia que causasse tanta surpresa. Depois de 12 anos num cargo público de tamanha importância, o surpreendente seria que fosse reconduzida. A rotação nos cargos, após o tempo suficiente para questionar rotinas e instalar novos métodos, deveria ser uma regra geral na sociedade - e não apenas para o pessoal político.
Não me parece, portanto, que faça algum sentido a "surpresa", para já não falar de um aparente nervosismo, que se apoderou de alguns sectores, sobretudo na área da "Justiça", depois da decisão da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, de iniciar o processo de substituição de Cândida Almeida.
2- Mais relevante é a notícia, associada, de que Cândida Almeida e outros dois magistrados, Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves, vão ser alvo de um inquérito por suspeitas de fuga de informação. Em causa está uma notícia publicada pelo Expresso, intitulada "Processo de Angola vai acelerar", que relatava encontros de Joana Marques Vidal com elementos da investigação ao caso de suspeitas de branqueamento de capitais por parte de altos dirigentes angolanos.
Também aqui não pode deixar de se aplaudir a iniciativa da PGR. Se, num caso específico qualquer, um alto responsável do aparelho da Justiça procura inteirar-se de uma qualquer investigação em curso e isso acaba imediatamente no domínio público, é óbvio que o sistema tem uma falha - e que esta precisa de ser reparada.
A Justiça em Portugal foi durante muitos anos um castelo de opacidade. Mesmo depois do 25 de Abril, e durante muitos anos, nada se tirava dali - e os cidadãos, naturalmente, desconfiavam.
Com o correr dos anos, nomeadamente depois do processo Casa Pia, passou-se do 8 ao 80: transformou-se num enorme queijo suíço, recheado de buracos, onde fermentaram demasiados interesses - e os cidadãos, de novo mal defendidos, não passaram a desconfiar menos.
Se Joana Marques Vidal vem com a intenção de remediar este mal merece, de novo, todo o apoio. Está na hora de impedir, na fonte, as fugas de informação selecionadas que muitas vezes julgam pessoas e instituições antes de tempo e sem lhes dar qualquer possibilidade de defesa. Uma Justiça digna desse nome não viola de forma sistemática, e criminosa, o seu segredo mais precioso.
3- Só o tempo ajudará a desvanecer as inevitáveis suspeitas, sobretudo políticas, que, a propósito destas duas decisões da PGR, agora se levantam. Cabe a Joana Marques Vidal dissipá-las, com coerência, tomando decisões técnicas e profissionais, não dando argumentos a quem sempre procura encontrar rasto de intriga e controlo político em todo o edifício judicial; e afrontando a crítica, que se irá seguir, sobretudo nos meios que se especializaram em ganhar dinheiro com o negócio do tráfico da informação judicial.
Portugal precisa de muita coisa, mas igualmente de uma Justiça liberta das corporações secretas e dos interesses partidários que há muito a procuram sistematicamente sujeitar. Os últimos anos têm trazido alguma evolução positiva, é justo reconhecê-lo, mas ainda estamos longe de um estado ideal. A investigação precisa de mais independência e igualmente de mais meios. Joana Marques Vidal terá começado agora, de forma mais percetível para a opinião pública, a atuar nesse sentido. Pois que seja bem-vinda.
Os moralistas que agora fazem de Relvas um mártir da Democracia podem, a seguir, defender que os portugueses que pedem faturas em nomes de pessoas com responsabilidades governativas devem ser deportados e antes até agrilhoadas em galés, como vulgares criminosos de outrora. O Portugal bem comportadinho, penteadinho, afinal sempre existe e tem insuspeitos defensores. "O Povo" é para levar e calar! Mas que insuportável cheiro a enxofre!
Diário de Notícias, 23-02-2013

Financial Times noticia “protesto criativo” de facturas pedidas em nome de Passos


LUSA 22/02/2013 - 23:28

PEDRO CUNHA
O jornal britânico Financial Times noticiou o “protesto criativo” dos “activistas portugueses contra a austeridade”, que começaram a pedir facturas em nome do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, após sugestão do movimento cívico Revolução Branca.
“Os activistas portugueses contra a austeridade estão a dar o número de identificação fiscal do primeiro-ministro quando pagam bens ou serviços, em protesto contra uma nova lei anti-evasão fiscal que prevê multas de dois mil euros para quem não pedir facturas”, refere a notícia do Financial Times (FT), segundo a qual os activistas em Portugal se estão a tornar “criativos” nos protestos.
O movimento cívico Revolução Branca sugeriu na quarta-feira, nas redes sociais, uma “desobediência cívica irónica” dos contribuintes, mesmo sem intenções de a ver concretizada, através do pedido de facturas em nome do primeiro-ministro, em protesto contra a nova legislação.
Segundo noticiado pelo jornal Correio da Manhã, deram entrada no sistema e-fatura “milhares de facturas” com o número de contribuinte do primeiro-ministro, passadas em restaurantes, cabeleireiros e oficinas de automóveis – totalizando milhões de euros em despesas.
O FT destacou ainda a iniciativa que “acabou por silenciar com uma música o primeiro-ministro português no Parlamento”.
“Uma recente onda de protestos coordenados através de redes sociais por movimentos com nomes como ‘Que se lixe a troika’ e ‘Os indignados’, com a frequente intenção de serem irónicos, marca o aumento de tácticas usadas por activistas anti-austeridade, que já encenaram grandes protestos de rua”, assinala o texto daquele jornal.
À Lusa, o presidente do Movimento Revolução Branca considerou “perfeitamente natural” a adesão à sugestão de pedir facturas em nome do primeiro-ministro e assinalou que “as coisas quando são espontâneas é porque surgem do fundo do coração”.
“Como tal, só mostra o sentimento da sociedade portuguesa perante a transformação de milhões de cidadãos em fiscais”, afirmou Paulo Romeira, segundo o qual “são milhões de facturas que têm entupido os serviços fiscais”.
Para o dirigente “se as pessoas estão a aderir desta forma é porque estão revoltadas com esta situação”.
“Outras acções do movimento nascerão sempre evitando criar problemas aos cidadãos e focalizando-nos no nosso alvo que é a classe política actual que nos trouxe a esta situação”, sublinhou.
Público, 23-02-2013

PJ vai absorver a Judiciária Militar


MUDANÇA

A POLÍCIA JUDICIÁRIA vai passar a absorver as competências da Polícia Judiciária Militar (PJM), na sequência da extinção daquela estrutura policial dependente do Ministério da Defesa, soube o JN.

O ministro da Defesa, Aguiar Branco, já no ano passado tinha manifestado a intenção de extinguir a PJM, e a ministra da Justiça, no final de 2012, anunciou que a PJ se estava a preparar para a extinção da PJM.

O JN sabe que a totalidade das competências da Judiciária Militar vão ficar sob a alçada da PJ, em particular devido ao crime de peculato, tendo em conta que a PJM investigava os crimes praticados no seio militar.

O Ministério da Justiça está a preparar legislação nesse sentido, mas os inspetores da PJM deverão regressar às fileiras das Forças Armadas. Em contrapartida, parte do pessoal administrativo da Polícia Judiciária Militar vai ingressar nos quadros da Polícia Judiciária. CV
Jornal de Notícias, 22-02-2013

Marinho finta limite de mandatos


Proposta de estatutos elimina artigo

Diploma deixa de prever impedimento de recandidatura

DIPLOMA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DE ESTATUTOS DA ORDEM DOS ADVOGADOS

Marinho contorna limitação

Bastonário altera artigo dos estatutos que impede recandidatura a terceiro mandato

ANA LUÍSA NASCIMENTO

A nova proposta de alteração dos estatutos da Ordem dos Advogados elimina o artigo que impõe uma limitação de mandatos do bastonário, permitindo assim a Marinho Pinto, que termina o segundo mandato no final do ano, recandidatar - se pela terceira vez. Advogados ouvidos pelo CM falam num "golpe à Chávez" confirmando que com o desaparecimento dessa condição o bastonário deixa de estar limitado a dois mandatos de três anos. Caso o diploma seja aprovado este ano, Marinho poderá ainda beneficiar dessa alteração.

Onde se lia "não é admitida a reeleição do bastonário para um terceiro mandato consecutivo", no número 2 do artigo 10, lê-se agora "só são reelegíveis para mandato consecutivo dois terços dos membros dos órgãos", sem especificar.

Recorde - se que Marinho Pinto, que o CM tentou, sem sucesso, contactar, cumpre o segundo e último mandato, sendo que as eleições para a Ordem dos Advogados deverão ser marcadas para novembro. Antes, porém, o bastonário vai tentar convocar um Congresso Extraordinário para discutir o diploma.
Correio da Manhã, 22-02-2013

Nos bastidores do Tribunal Constitucional


Discrição, reserva, sigilo, formalismo, espírito institucional são a marca deste tribunal e dos seus 13 juizes e muitos assessores, que assumem, em total resguardo, que passam por um momento de história fundamental

TEXTOS DE LUÍSA MEIRELES 

Certo é que foi na terça-feira de Carnaval, dia em que não houve tolerância de ponto. Mas no Tribunal Constitucional — garantiram-nos — era um dia como os outros, portanto, era suposto estarem todos ao trabalho. Não sabemos. Num canto do átrio, onde o bem-disposto Sr. Amaro, o "oficial-porteiro", toma conta das entradas e saídas na casa, está afixado um quadro de funcionários: 94. A verdade, porém, é que durante toda a manhã e boa parte da tarde vimos pouco mais de uma dezena.

As três secções do tribunal estavam a funcionar, bem como a quarta, que só trata dos assuntos dos partidos e é a mais concorrida de todas. Não há dia que não apareça por lá um jornalista, a perguntar pelas declarações de rendimento de figuras públicas. Desta vez fomos nós, mas não queríamos saber da declaração de Franquelim Alves, o novo secretário de Estado.

Ficámos a saber, porém, que há dois novos partidos que estão quase a receber a "carta de alforria", depois dos três funcionários da secção verificarem, uma a uma, a assinatura de cada proponente (no mínimo 7500!): o Voz do Povo, do deputado madeirense José Manuel Coelho, e o Movimento Alternativa Socialista (MAS), do ex-bloquista Gil Garcia, que até já inaugurou uma sede e tudo. E soubemos ainda que o tribunal acabou de passar a certidão de óbito a outro partido: o Movimento Esperança Portugal, o MEP de Rui Marques, que em tempos teve a esperança de poder vir a ser fiel da balança partidária.

Na secção central, entretanto, o escrivão registou nesse dia a entrada de cinco novos processos, desta feita de fiscalização da constitucionalidade, que tinham vindo diretamente do Supremo Tribunal. Saber se uma norma está ou não conforme com a Constituição, se cabe no seu sentido ou se tem nela a sua base é a competência central deste tribunal e que o distingue dos demais. Por isso lhe chamam o primeiro e tem uma orgânica à parte. Mas a verdade é que. juizes, procuradores ou assessores, não encontrámos nenhum. Ou então fomos nós que não soubemos.

O SANCTA SANCTORUM

Terça e quarta costumam ser dia de plenário, ou de reunião de secção do tribunal, mas não desta vez. Os corredores estavam vazios e silenciosos e, no 1.º andar, as portas altas dos gabinetes (entre eles o do presidente e da vice-presidente) estavam fechadas. Na sala de sessões, onde se alinham 13 cadeiras (tantas quantos os juizes conselheiros) à volta de uma grande mesa, os vagos vestígios da presença humana — dois ou três rabiscos em folhas de papel — foram rapidamente tirados da vista da jornalista.

É aqui o sancta sanctorum das decisões do tribunal, onde os juizes se reúnem em plenário para discutir os acórdãos o tempo que for preciso. Já os arrastaram por seis anos, em tempos que já lá vão, quando discutiram o Código do IRS do então primeiro-ministro Cavaco Silva; ou sete meses, para se porem de acordo quanto às questões jurídico-ético-morais que implicava o ensino de Religião e Moral nas escolas..

Mas, apesar de tudo, foram rápidos, no ano passado, quando tiveram de decidir sobre o Orçamento do Estado: seis meses, menos três que no anterior, também sobre o OE. Este ano, quanto tempo levará? Com o carimbo de prioridade aposto no processo, a aposta é para o mês que vem.

Ver-se-á, que a pressão é muita. Ela percebe-se, e não apenas pelas notícias dos jornais, que vão dando conta das intenções do Governo e dos cortes que anuncia, em função do que for decidido pelo tribunal. Até as agências de notação se interessam: a Standard&- Poors manteve a nota de "lixo" (BB) a Portugal, tão só por causa dos "riscos orçamentais de curto prazo relacionados com a decisão do Tribunal Constitucional".

É também na sala das sessões que se faz o sorteio dos processos pelos juizes, relata-nos a infatigável chefe de gabinete do novo presidente, Joaquim Sousa Ribeiro, recém-chegada ao tribunal. O sorteio é feito por computador desde 2003, mas a diligência continua a revestir-se de formalismo — como tudo neste tribunal guardião da Constituição — com a presença do presidente ou da vice-presidente. À cautela, num cantinho da sala, no chão, alinham-se as lembranças do passado: o móvel de gavetas com as bolinhas de madeira para o sorteio, a urna onde eram depositadas, a caixa de cartão onde os juizes continuam a votar os presidentes. E uma inexplicável almofadinha, uma espécie de genuflexório sem encosto e fora do contexto.

AQUI É SÓ PAPÉIS

Em todo o edifício, tudo é resguardo e silêncio. Esse é o costume, de resto, e quem visita o tribunal nota-o. É a sua marca. Até soa estranho, quando antigos assessores e juizes dizem que "há grandes discussões", que "as pessoas se envolvem nos temas que tratam", que "a troca de opiniões é essencial" e que "as conversas se prolongam nos corredores". Terá sido antes que era assim e agora já não é?

No 2° andar do belo Palácio Ratton estão os gabinetes dos juizes e secretárias, mas não fomos lá. Na parte nova, o anexo, como lhe chamam, construído em 2000, estão os assessores e outros serviços de apoio e, desde há um ano, também a Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos, que depende do tribunal e que para ali se mudou de um prédio vizinho, por razões de poupança em tempos de crise. Desde a sua fundação, em 1983, o tribunal ocupa o palácio que foi mandado construir no início do século XIX pelo industrial francês de chapelaria do mesmo nome, ali na Rua do Século, antiga Rua Formosa.

Na véspera de Carnaval, é facto, até houve animação nos corredores. Um grupo de uns 30 estudantes brasileiros visitou o tribunal e a vice-presidente, Maria Lúcia Amaral, professora da Universidade Nova e no tribunal desde 2007, explicou-lhes: "Aqui, só andamos com papéis. Nós ouvimos sempre por escrito, ninguém aparece perante nós oralmente." É quase um falar antigo.

Audiência pública de julgamento só houve uma, quando em 1994 foi extinto o Movimento de Ação Nacionalista (MAN), por veicular ideologia fascista. Ocorreu na chamada Sala de Atos, dominada por uma esplêndida tapeçaria reproduzindo um cartão de Eduardo Batarda. Fora disso e tirando as ocasiões da foto protocolar, os juizes, de beca e colar, só ali aparecem por "cortesia institucional", para ler os acórdãos em que é requerente o Presidente da República.

Discrição, reserva, sigilo, formalismo, espírito institucional. A cultura é de tal modo forte que deve pegar-se à pele. Mesmo anos após terem saído do tribunal, muitos dos assessores e juizes preferem falar sem serem citados. "Estamos ali no intuito exclusivo de servir a Constituição", justificava-se um ex-assessor, "o nosso comportamento muda". Um outro chamou ao tribunal "um túmulo" e um ex-juiz, que era mais dado às lides políticas, achou o trabalho "uma maçadoria".

O DEDO NA FERIDA As opiniões diferem, claro. O atual deputado do PSD Paulo Mota Pinto (juiz nove anos, 1998-2007), o mais jovem de sempre aos 31 anos, não só não está "nada arrependido" como acha que lhe acrescentou muitíssimo à formação académica.

Maria dos Prazeres Beleza, que partilhou a mesma "composição" do tribunal que Mota Pinto (a quarta), também não esconde o entusiasmo pelo verdadeiro "curso" que ali tirou. "Quem gosta da profissão de jurista, gosta de estar no TC", afirmou ao Expresso. Mas ressalva: "Ser juiz é muito difícil, muito absorvente, tem de se estudar muito. Pela primeira vez na vida pensei que não ia ser capaz de fazer o que me propunha."

O antigo juiz Guilherme da Fonseca (1993-2002), ele próprio juiz de profissão, também guarda boas recordações, sobretudo porque "o trabalho era verdadeiramente coletivo" e ele gostava assim, por contraponto à solidão que preside a decisão judicial comum.

A antiga professora, consultora e hoje juíza no STJ, pôs o dedo na ferida. Para que lado se virasse no gabinete só via processos, disse. As estatísticas confirmam que os juizes, atendendo ao número de processos que entram por ano (930, em 2012), vivem afogados em papéis. Cada juiz despacha em média 100 processos por ano, dos quais resultam uma esmagadora maioria de acórdãos de "fiscalização concreta da constitucionalidade" (96% do total, no ano passado), referentes a processos com casos concretos.

Os outros, aqueles que são delicados ou controversos politicamente, acabam por ser uma percentagem ínfima: os acórdãos de fiscalização abstrata, preventiva ou sucessiva consoante é feita antes ou depois da norma em causa entrar em vigor, somaram 27 em 2012 (preventivos 16, dos quais 12 referentes a referendos locais e apenas quatro a diplomas). Os sucessivos foram 11. Em percentagem global dá 2,2%. Entre 1983 e 2012, este tipo de acórdãos representou apenas 4% do total.

E depois há outros, os acórdãos eleitorais, sobre os financiamentos dos partidos, um sem-fim de competências que até já levaram o último presidente, Rui Moura Ramos, a sugerir que algumas passassem para outros órgãos (algum contencioso eleitoral) e a protestar contra outras (caso do controlo das contas dos grupos parlamentares).

O PAÍS EM SUSPENSO

Seja como for, não é por causa destes que o Tribunal Constitucional tem agora os olhos do país postos nele. Mas o resguardo é tal que até parece uma "caixa negra", para usar a expressão de um ex-assessor, que percebe bem os mecanismos de defesa e "enconchamento" dos juízes, em vésperas de emitir uma decisão que sabem ser crucial. Nada transpira das suas atividades. Adivinha-se um stresse total.

Maria Lúcia Amaral definiu o tempo ao dizer que "o tribunal passa por um momento de história fundamental, e também do país e da Europa". A razão é a próxima decisão sobre o Orçamento do Estado, na sequência de quatro pedidos de fiscalização (pelo Presidente, o provedor de Justiça, um grupo de deputados do PS e outro de deputados do Bloco e do PC), que hão de ter de ser esmiuçadas pelos juizes e em primeira mão pelo presidente, obrigado a sintetizar num memorando as principais questões e eventuais soluções. Sousa Ribeiro tem a coadjuvá-lo três assessores, entre eles Mariana Canotilho, que já esteve no tribunal há uns anos.

"Somos guardiões daquilo sobre o que estamos de acordo, os princípios constitucionais", disse Maria Lúcia Amaral. Só que a interpretação das normas traduz-se em opiniões e a que se faz sobre a Constituição — a mais política de todas as normas — não passa sem um apertado escrutínio da sua fundamentação jurídica. "Nem sempre lendo a Constituição se sabe interpretá-la", dizia Canotilho, "às vezes é preciso bater-lhe para ela ser inteligente". Juizes e assessores salientam: "Não passa pela cabeça de ninguém defender argumentos políticos, tudo é jurídico."

O problema é que uma e outra coisa confundem-se ou, se se quiser, interpenetram-se. O TC não faz escolhas políticas, apenas diz que uma determinada escolha não pode ter lugar. Mas as suas decisões têm efeitos políticos e um enorme alcance social, económico e financeiro. "O dinheiro é o nervo da República e por isso é matéria constitucional", afirmou a propósito o professor de Direito.

O TRIBUNAL DA POLÍTICA

A verdade, porém, é que tem sido a prática política dos últimos tempos a pôr no palco o TC. Facilmente, a dinâmica salta da Assembleia ou de Belém para o tribunal, numa aparente judicialização da política que tem por retorno a politização da Justiça, como diz Ana Catarina Mendes no livro "O Papel Político do Tribunal Constitucional". O TC não é nem pode ser um ator nem agente político, mas protagonista — a pedido — é-o seguramente.

Os estudos feitos demonstram que sempre que a conflitualidade política (ou a instabilidade entre órgãos de soberania) aumentou em Portugal, em particular durante as legislaturas de maiorias políticas, cresceu também a intervenção do TC. Quem não se lembra das "forças de bloqueio" de que se queixava Cavaco Silva? Entre elas estava o tribunal, destinatário dos pedidos de fiscalização de Mário Soares, o Presidente que mais ativo se revelou neste capítulo.

Nos idos de 90, Durão Barroso chegou a dizer que "este TC é pior do que o Conselho da Revolução", citado na primeira página deste jornal. E se Jorge Sampaio moderou a atividade, também o foi porque durante grande parte dos seus mandatos ter convivido com uma maioria política próxima.

"A litigância constitucional tem calendários políticos, e muitas vezes as decisões do TC judicializam (e legitimam) conflitos políticos que de outro modo poderiam ser inultrapassáveis", diz ainda Ana Catarina que qualifica o tribunal como "o último reduto da ação política, sendo ainda assim um tribunal".

O problema será esse? Decerto que este não é um tribunal como os outros. Dez dos seus juizes são eleitos pela Assembleia República, que assim os "crisma" politicamente, o que não quer dizer que lhes retire a independência PS e PSD têm a parte de leão (a eleição é por dois terços) e ao sabor dos tempos têm chamado à colação também os juizes da sensibilidade PCP e CDS, num "entendimento tácito" que nos últimos anos o PS quebrou. Desde 2009 não há nenhum juiz na área PC. Por outro lado, no ano passado, a atribulada eleição dos novos membros quebrou um tabu: cada partido passou a assumir o "seu" juiz.

Face às críticas de que "a qualidade dos juizes nem sempre é a melhor", os partidos queixam-se que "a base de recrutamento" também se estreitou. As condições remuneratórias (salário com regalias, carro e motorista suplementos por sessão) são as de um membro do Supremo e agora sujeitas a cortes. Para um juiz mais afeiçoado à discrição, pode não compensar o trabalho e a visibilidade acrescida, mas para um académico ou advogado, definitivamente não. "Por um único parecer, um jurista de topo pode cobrar o que ganha em meses um juiz", dizia Maria dos Prazeres.

PRESSÕES E INDEPENDÊNCIA

O poder político também não facilita As pressões existem. Há conversas e telefonemas, juizes e juizes. A propósito do "chumbo" à lei do enriquecimento ilícito, a vice-presidente Teresa Leal Coelho manifestava a esperança de ver o texto aprovado numa futura alteração da composição do tribunal.

Os juizes sabem quem os indicou, mas nenhum quer ser visto como "boy" ou "girl" do partido. A eleição é um dado adquirido, um pecado ou virtude original que lhe garante a legitimidade para poder "dizer não à maioria que legisla", como dizia Moura Ramos. É o TC um contrapoder, um antipoder? Em todo o caso, "um poder negativo", dizem os académicos.

Quem lá trabalhou, diz que, na hora de decidir, cada juiz está por si. Mas ninguém se despe da sua maneira de ser, das suas convicções, ou "pré-compreensões", a sua mundividência, em suma. Os juizes não são "quimicamente puros" e porventura serão sensíveis às preferências ou interesses do partido que os indicou.

Os estudos estatísticos demonstram que os juizes votam segundo divisões partidárias, consoante são de direita ou de esquerda.. Os de direita são mais propensos a votar em favor da constitucionalidade, os de esquerda contra, os primeiros votam mais em função das linhas ideológicas, os segundos dos interesses do partido. As contas são elucidativas mas não explicam tudo, nomeadamente as discussões "que desbastam argumentos" ou a necessidade de encontrar consensos, como dizia um antigo juiz. "A lógica da decisão coletiva faz parte da fisiologia das coisas, não é a patologia das coisas." Mais de 80% das decisões foram votadas por unanimidade ou maioria de dois terços.

Por outro lado, o tribunal não está mais partidarizado do que no passado, pelo contrário, a sua composição é bem menos política, o que se reflete nas decisões. Na atual, só dois — curiosamente duas juízas indicadas pelo PS — exerceram cargos mais ou menos ligados à política: Catarina Sarmento e Castro, professora e que foi adjunta do ex-ministro da Administração Interna Jorge Coelho, e Maria João Antunes, que foi membro do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações.

Mas a eventual fratura também passa por outras linhas. Entre os juizes há seis obrigatoriamente de carreira e, aí, os próprios reconhecem que há diferenças. "Os juristas são mais afeitos à teoria, os juizes à aplicação concreta do direito", salientava Mota Pinto. E, claro, por uma outra fratura que poderá ser a mais marcante de todas nos tempos que correm; o predomínio de funcionários públicos ou até da elevada média de idades. Mas isso já é pura opinião. Ou preconceção. E exige que sejam validados dotes reconhecidos de premonição.
Expresso, 23-02-2013

6 acórdãos que fizeram história


Desde a sua fundação, o Tribunal Constitucional já produziu 25.057 acórdãos e decisões. Mas só um punhado ficou na lembrança. Estes são alguns
Criado há 30 anos, na sequência da revisão constitucional de 1982, que pôs termo ao Conselho da Revolução e à Comissão Constitucional que o assessorava nesse campo, o Tribunal Constitucional é considerado "o primeiro dos tribunais", o mais político de todos, desde logo porque o seu objeto é aplicar a Constituição, que organiza o poder político. É isso, e todavia está à parte dos outros.
A Constituição reconhece-lhe esse estatuto, com uma organização particular (a eleição pela Assembleia da República de 10 dos seus 13 juízes), independente da estrutura judiciária.
Nos antípodas do que se pode considerar um tribunal de "ativismo jurídico" — pelo contrário, os académicos veem-no como "tímido" e pouco ousado na interpretação das normas —, o facto não o impede de ter consolidado jurisprudência em numerosas matérias. É o caso dos direitos fundamentais, garantindo o modelo de Estado social de Direito tal como tem existido e contribuindo para "um modelo equilibrado de freios e contrapesos que tem conferido estabilidade ao sistema", tal como disse Carlos Blanco de Morais. Para além da repercussão mediática, alguns dos seus acórdãos fizeram história.

1. ABORTO
O primeiro deles refere-se à interrupção voluntária da gravidez (R/G). O tribunal debruçou-se sobre o tema várias vezes, em acórdãos sucessivos desde 1984, tendo optado sempre pela constitucionalidade da sua despenalização e dos referendos. Questão dita fraturante quando pela primeira vez é abordada, provocou sérias divisões entre os juizes.
O facto não os impediu de votar maioritariamente a favor (por um voto), precisamente o do relator, que todavia fez ressalva das suas "convicções morais, filosóficas e religiosas" e apontou "dúvidas insuperáveis e cruciantes".

2. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
O tribunal pronunciou-se sobre o tema em 2010, num processo de fiscalização preventiva a pedido do Presidente da República, que não escondia as suas reservas.
O coletivo de juízes decidiu-se a favor da não inconstitucionalidade, tendo em conta "a existência na comunidade jurídica de perspetivas diferenciadas e pontos de vista díspares e não coincidentes sobre as decorrências ou implicações que de um princípio 'aberto' da Constituição devem retirar-se".

3. INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
É o supremo "direito à identidade pessoal" e a constituir família que está em causa, disse o tribunal, ao julgar inconstitucional, em 2004, uma norma do Código Civil que previa a extinção do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade. A promoção do valor da pessoa e da sua autodefinição inclui, inevitavelmente, o conhecimento das origens genéricas e culturais — a Constituição consagra o "direito ao desenvolvimento da personalidade" e não é excessivo dizer-se que ele "pesa" mais do lado do filho", escreveu o relator, Paulo Mota Pinto.

4. ASSISTÊNCIA NO DESEMPREGO
É um dos oito acórdãos de inconstitucionalidade por omissão, uma figura que caiu em desuso — o tribunal constata a existência de uma imposição constitucional que obriga o legislador. Foi o que fez, em 2002, a propósito da assistência no desemprego, incluindo os da Administração Pública, obrigando à existência de uma prestação específica no âmbito da segurança social.

5. FP-25
A amnistia a alguns membros das Forças Populares 25 de Abril, em 1998, pelo então Presidente Mário Soares foi contestada e objeto de um acórdão, que concluiu todavia pela sua conformidade com a Constituição. O tribunal considerou que se tratava de uma "amnistia pacificadora", aplicada a casos passados, que de modo algum tinha "ligação lógica" com a ideologia das chamadas FP-25.

6. ORÇAMENTO DO ESTADO
Por duas vezes, nos dois últimos anos, o tribunal decidiu sobre normas do Orçamento do Estado (2011 e 2012). Com fundamentações diversas e a respeito de cortes salariais aos trabalhadores da função pública, decidiu, porém, em sentido oposto. No primeiro acórdão, validou a constitucionalidade das normas orçamentais que previam o corte de salários daqueles trabalhadores, considerando que essa era "uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental".

No segundo acórdão (OE 2012), declarou a inconstitucionalidade da suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, sem todavia impor a aplicação dos efeitos de tal decisão.
Expresso, 23-02-2013

Dois mil perfis de ADN relativos a crimes em risco de destruição


Investigação. A PGR ordenou que vestígios de ADN em poder da Judiciária fossem entregues à base de dados criada para os reunir. Como a comissão de fiscalização que deveria supervisionar esse procedimento está demissionária, essas provas poderão ter de ser eliminadas
É mais um problema a ensombrar a base de dados criada para receber perfis de ADN e que devia ser uma importante ferramenta na investigação criminal. Além de poucas amostras ali terem sido introduzidas e de raramente este sistema ter sido utilizado, a falta de uma lei orgânica levou a que os elementos da comissão de fiscalização se demitissem. Se, em março, não tiverem sido substituídos pelo Parlamento, este órgão passa a estar vazio. E o seu presidente alerta no DN para os perigos daí decorrentes.

2000 registos de ADN de crimes em risco de destruição
Alerta. O juiz-conselheiro que preside ao Conselho de Fiscalização da base de dados de ADN chama a atenção para a situação “ilegal” dos registos que estão na Judiciária
VALENTINA MARCELINO
Mais de dois mil vestígios com perfis de ADN de suspeitos de crimes graves correm o risco de ter de ser destruídos por estarem guardados de forma”ilegal” na Polícia Judiciária (PJ). Este é, pelo menos, o entendimento do presidente do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN, o juiz jubilado Manuel Simas Santos, que vai defender a medida num encontro, esta semana, com a procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal. Para Simas Santos os registos que estão na PJ estão “ilegais” porque o anterior PGR, Pinto Monteiro, deu ordem para estes ficheiros serem transferidos para a base de dados de ADN, “a única oficial do País”, frisa, e isso ainda não foi feito.
A serem destruídos estes vestígios recolhidos em locais de crimes de que ainda não existem suspeitos, antes de serem cruzados com os perfis de condenados que já estão na base de dados oficial, dezenas de criminosos podem ficar impunes.
A situação tem a agravante de os membros do Conselho de Fiscalização terem renunciado aos cargos há oito meses – devido à falta de aprovação da lei orgânica que regulamenta o funcionamento deste órgão (ver texto ao lado) – e se até 19 de março, quando o seu mandato terminaria, não for eleita no Parlamento uma nova equipa, não só os perfis que estão na PJ “devem ser eliminados” como “a atividade da base de dados oficial tem de ser suspensa”.
“Sem a fiscalização a funcionar a base de ADN não pode funcionar”, defende o juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. No caso dos vestígios que estão na PJ, pistas retiradas de cenas de crime entre 2002 e 2007, “sem um conselho de fiscalização empossado para fazer a sua supervisão, incluindo a transferência para a base de dados oficial, não pode existir”. O DN confrontou o diretor nacional da PJ, Almeida Rodrigues, sobre a possibilidade de ver destruídas provas de centenas de crimes violentos, bem como sobre o motivo para estes vestígios ainda não terem sido transferidos para a base de dados oficial que está no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses (IMLCF), em Coimbra, mas não obteve resposta. Ao que o DN, porém, conseguiu apurar junto de fontes da PJ e do IMLCF, serão motivos “técnicos” a causa da demora. Também não foi possível obter esclarecimentos junto do Ministério da Justiça.
Simas Santos salienta que se pode evitar a destruição dos vestígios, se “os grupos parlamentares iniciarem de imediato o processo para a eleição dos membros do novo Conselho”.
Mas salienta que, “apesar se ter alertado atempadamente para este problema, bem como para as consequências graves que era o Conselho de Fiscalização não ter uma lei orgânica”, não se tenha verificado “até agora qualquer sinal dos partidos para eleger a tempo os novos membros”.
O presidente da Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, Fernando Negrão, reconhece que os prazos são apertados e expressa a sua “preocupação” com os riscos que se correm (ver entrevista ao lado).
Desde a sua entrada em funcionamento há três anos – o primeiro perfil de ADN foi inserido no dia 12 de fevereiro de 2010 -, a base de dados tem alimentado muito mais polémicas do que resultados na investigação criminal. De entre as polémicas, além da questão da transferência dos registos da PJ, surgiu a própria lei que define as condições para a inserção dos perfis dos condenados ou suspeitos de crimes, das mais restritivas da Europa (ver tabela e P&R) porque as condiciona a uma ordem do juiz ou do Ministério Público. Resultado: a base de dados só foi utilizada 11 vezes para fins de investigação criminal e só foram inseridos 972 perfis de condenados a penas superiores a três anos, como impõe a lei, quando há mais de duas mil sentenças deste tipo por ano. Ainda assim, nas 11 ocasiões em que a base foi usada, foram identificados logo dois criminosos.

P&R

- O que está na base de dados?

- Até ao dia de ontem estavam 1020 perfis inseridos: 972 de condenados, 11 amostras de suspeitos recolhidas em cenas de crime e que não foram identificados, oito amostras-referência de civis (para cruzar com familiares desaparecidos, por exemplo), um perfil de cadáver desconhecido, quatro perfis de voluntários e 24 de profissionais que trabalham na base de dados.
- Que tipo de condenados têm o ADN já registado?
- A lei determina que todos os condenados apenas de mais de três anos devem ter o perfil inserido na base de dados, mas tal decisão é do juiz. Dos 972 perfis de condenados inseridos, a “maioria”, segundo informação recolhida pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), são de traficantes de droga, seguidos de autores de roubos.
- Quanto custou?
- Segundo o INMLCF não houve custo direto para o orçamento nacional. O programa CODIS, que administra informaticamente a base de dados, foi oferecido pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) e o programa de dados foi desenvolvido por técnicos do próprio Instituto. O INMLCF conseguiu um financiamento europeu de 800 mil euros para adquirir novos equipamentos e reforçar as capacidades dos seus laboratórios.
- Quanto custa inserir os perfis?
- Aos tribunais e ao Ministério Público (MP) cerca de 200 euros, aos voluntários, 500.
- As polícias têm acesso direto?
- Por incrível que pareça, não. Nem sequer a Polícia Judiciária, cujo Laboratório Científico está capacitado para fazer a recolha de perfis e a sua comparação. Com a entrada em funcionamento da base de dados do INMLCF, a PJ deixou de fazer comparações diretas. Só com despacho do MP e depois de fazer o pedido ao INMLCF.

Procuradora-geral quer mais perfis genéticos
avaliação Perante o facto de em três anos os procuradores do MP só terem mandado inserir na base de dados 11 perfis de ADN, Joana Marques Vidal apelou a um aumento de registos
A procuradora-geral da República recomendou aos magistrados do Ministério Público (MP) que ordenassem, sempre que reunidas as condições legais, a inserção dos perfis de ADN recolhidos nas cenas de crime na base de dados oficial do Instituto Nacional de Medicina Legal de Ciências Forenses, para que possam ser cruzados com os perfis identificados ali registados e os suspeitos conhecidos. Segundo a porta-voz oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR), a decisão deste apelo de Joana Marques Vidal, emitido no início do ano, “foi tomada após avaliação da situação, com base nos dados disponibilizados sobre esta matéria”.
As informações que a procuradora recebeu revelaram que, em três anos de funcionamento, a base de dados de ADN só tinha recebido 11 “amostras-problema” de suspeitos desconhecidos ordenadas pelos procuradores titulares dos inquéritos-crime, A mesma fonte oficial sublinha que “não se trata de desinteresse por este meio de prova, o qual os magistrados valorizam especialmente”, mas, esclarece ainda, “em muitas situações não se mostram reunidos os requisitos legais de recolha e inserção dos perfis”.
Joana Marques Vidal acredita que esta sua decisão vai levar a “um aumento gradual, a curto prazo, do número de perfis de ADN inseridos naquela base de dados, por determinação do MP”. O diretor da base de dados, Francisco Corte-Real, aplaude esta iniciativa e está convicto de que “vai dar um apoio substancial ao funcionamento da base. Basta dizer que se com apenas 11 amostras-problema se conseguiram duas identificações, quantas mais forem inseridas, maior probabilidade haverá”.
Impasse no Conselho de Fiscalização
Entretanto, mantém-se o impasse em relação à atividade do Conselho de Fiscalização da Base de Dados, sem lei orgânica desde que tomou posse há três anos, o que levou à renúncia dos cargos dos seus três membros – o juiz-conselheiro Simas Santos e duas professoras universitárias – em maio do ano passado.
Considerando a “situação alarmante” que põe em causa a intervenção “eficaz numa área de natureza sensível para os cidadãos”, o Bloco de Esquerda foi o único partido a apresentar uma proposta de lei. A discussão do diploma pelos partidos ainda não está, no entanto, agendada. A Comissão Nacional de Proteção de Dados já aprovou, de uma forma geral, o texto. Apenas manifesta interesse em participar nas fiscalizações com o Conselho e considera que as multas propostas para as ilegalidades – entre 1500 a 15 mil euros – são “demasiado baixas” para “os bens jurídicos em causa”.

3 PERGUNTAS A…
“Tem havido uma grande desarticulação”
FERNANDO NEGRÃO Deputado PSD
- A utilidade, para fins de investigação criminal, da base de dados de ADN continua muito aquém das expectativas e longe dos outros países europeus. Porque ninguém faz nada para alterar este cenário?
- E verdade que tem havido uma grande desarticulação entre várias entidades e falta de sensibilização da parte de quem pode mandar inserir os perfis. A orientação que foi dada no início do ano pela Procuradoria-Geral da República já devia ter sido dada há muito mais tempo, mas estou convencido de que, a partir de agora, a base vai ter melhores condições para funcionar.
- Ainda defende uma alteração da lei para tornar menos restritivas as condições de inserção dos perfis?
- Não. Ainda não foram exploradas todas as virtualidades da lei em vigor.
- O que pensa da polémica com o Conselho de Fiscalização e o risco de poderem ter de ser destruídos 2000 perfis da PJ?
- É uma situação que estamos a acompanhar com preocupação e terá de haver um impulso dos partidos para a resolver. Mas acredito que tudo será resolvido a tempo.
Diário Notícias, 18 Fevereiro 2013

Medicina Legal: Introdução de perfis de ADN dará "grande empurrão" a base de dados


Lusa
O vice-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal considerou, esta segunda-feira, que a directiva da procuradora-geral da República, sobre a necessidade de inserção de perfis de ADN, vai dar um "grande empurrão" à base de dados para investigação criminal.
Francisco Corte-Real admitiu que os 1020 perfis de ADN, até agora inseridos na base de dados (mais de 900 são de condenados), ficam aquém do desejável, mas sublinhou que só por ordem de um juiz ou do Ministério Público (MP), e nos casos previstos na lei, é que "se pode fazer a recolha" do perfil de ADN.Francisco Corte-Real admitiu que os 1020 perfis de ADN, até agora inseridos na base de dados (mais de 900 são de condenados), ficam aquém do desejável, mas sublinhou que só por ordem de um juiz ou do Ministério Público (MP), e nos casos previstos na lei, é que "se pode fazer a recolha" do perfil de ADN.
O responsável pela delegação Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) vincou que os dados de ADN estão devidamente guardados, nas instalações em Coimbra, e observou que as falhas se relacionam, essencialmente, com a falta de pedidos dos magistrados, para que a sua recolha se verifique, dando como exemplo a existência de apenas 11 “amostras problema” – amostras de casos de violação, homicídio e outros crimes em que não se conhece ainda o autor do crime.
Francisco Corte-Real entende assim que o despacho da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, sobre a necessidade de os magistrados requisitarem a recolha e inserção de dados de ADN, dará um "grande empurrão" à base de dados e ao projecto subjacente.
Quanto ao risco de destruição da base de dados, com cerca de 2000 registos, que está na posse da Polícia Judiciária, conforme escreve hoje o Diário de Notícias, o responsável do INML diz não acreditar que tal possa suceder, explicando que a demora na transferência de dados da PJ para o INML se prende com problemas técnicos, já que a antiga versão informática da PJ "não é compatível" com o sistema do INML.
Segundo garantiu, são estes "problemas técnicos" que têm feito com que os 2.000 registos de perfil de ADN, na posse da PJ, não estejam ainda na base de dados em Coimbra, situação que levou já o presidente demissionário do Conselho Fiscalizador da Base de Dados, Simas Santos, a alertar para a situação "ilegal" dos registos mantidos na PJ, e o risco de serem, por isso, destruídos.
Contactado pela agência Lusa, o Ministério da Justiça não quis fazer qualquer comentário sobre a situação da base de dados e da falta de lei orgânica do Conselho de Fiscalização, numa altura em que o mandato dos membros deste conselho (que está demissionário) termina em Março próximo.
A PGR anunciou, na semana passada, ter divulgado, junto dos magistrados, a necessidade de determinarem a inserção dos perfis de ADN na Base de Dados, prevendo, a curto prazo, um "aumento gradual" do número de perfis disponíveis.
Notícias ao minuto, 23-02-2013