sábado, 6 de julho de 2013

Portugal arrisca-se a um segundo resgate ou a algo equivalente

Alfredo José de Sousa presidiu ao Tribunal de Contas durante uma década e viu recentemente o Governo a negar-lhe a recondução no cargo de provedor de Justiça.
O juiz Alfredo José de Sousa empenhou-se nos últimos quatro anos na defesa dos direitos dos cidadãos face às pequenas e grandes prepotências da administração central e local. Aos 73 anos diz que a crise política ainda agora está a começar e que não vislumbra o seu desfecho. A entrevista foi feita antes dos últimos desenvolvimentos provocados pelas demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas. 
Neste momento, à crise económica e social do país soma-se uma crise política. Acha que isso tornará inevitável um segundo resgate?A crise política ainda está no começo e o seu desfecho não se vislumbra neste momento. As primeiras reacções dos mercados financeiros, e a subida de juros da dívida (e a queda das acções na bolsa nacional), bem como o prolongamento da instabilidade política, colocam essa hipótese. A menos que haja uma firme intervenção de mecanismos no interior do Eurogrupo e Banco Central Europeu! Mas se isto suceder, não será certamente sem condicionalismos idênticos aos de um resgate em relação ao défice e à dívida pública. 
Como encara a demissão de Vítor Gaspar, seguida da de Paulo Portas? Passos Coelho ainda tem condições para governar o país ou é imperioso o Presidente da República agir e convocar eleições?Torna-se indispensável uma intervenção activa do Presidente como garante do regular funcionamento das instituições democráticas. A dissolução da Assembleia da República e eleições antecipadas deverão ser o último recurso. Mas, se tiver que ser, que sejam simultâneas com as autárquicas, até porque isso acarreta menos custos financeiros e sociais para o país. 
Foi por ter mencionado essa possibilidade que o Governo o "saneou", recusando-se a reconduzi-lo no cargo por mais um mandato?A história desse "saneamento" é muito curiosa. O que disse em entrevista à Antena Um foi que só Paulo Portas poderia fazer cair o Governo e que, se isso acontecesse, ao menos que fosse a tempo de fazer eleições antecipadas a tempo das autárquicas. Mas também acrescentei que não acreditava que houvesse qualquer crise política antes da saída da troika do país. O grupo parlamentar do PSD afirmou que eu estava a exorbitar as minhas funções porque tinha defendido eleições antecipadas, o que não era verdade. Mas, mesmo que fosse, tenho direito a emitir uma opinião política. Isto foi um óptimo pretexto para o PSD, que não estará muito contente com a minha actuação como provedor de Justiça face a este Governo, anunciar que não me ia reconduzir, esquecendo-se que, face ao anterior executivo, do PS, a minha atitude foi igual... 
Mas por que quereria o PSD arranjar tal pretexto?Quando vim para aqui tinha uma auditoria do Tribunal de Contas, instituição a que presidi durante 10 anos, a dizer que a situação de 12 pessoas que prestavam funções na Provedoria, nomeadas pelo meu antecessor, era ilegal - entre outras razões, porque não tinha havido concurso. Não lhes renovei a nomeação. Alguns deles tinham estreitas ligações ao PSD. Até havia na altura um andar ao lado da sede do PSD onde essas pessoas trabalhavam quase todas, nas linhas de atendimento telefónico de crianças e idosos da Provedoria. Hoje essas linhas telefónicas funcionam na sede da Provedoria. 
O facto de ter pedido ao Tribunal Constitucional que verificasse a legalidade dos cortes nas pensões dos reformados previstos no Orçamento do Estado terá pesado na não-recondução?Tive que agir, porque me chegaram centenas de queixas dos reformados sobre isso. Trata-se de uma classe que tem sido sacrificada. Quem tem reformas que não são famosas, acima dos 1200 euros, está a ser prejudicado. Com o aumento do desemprego, há muitos reformados que são a segurança social privada dos seus familiares. Se desagradei ao Governo, foi porque estava a cumprir a minha função. Admito que por razões de discordância política o PSD não quisesse renovar-me o mandato. Agora não admito que me ponham na boca afirmações que não fiz nem que me acusem de falta de isenção, como sucedeu. 
Sentiu-se enxovalhado?Só me enxovalha quem eu quero. Nem todas as pessoas têm competência nem autoridade moral para me insultar. E vindo donde veio... 
Antes de si houve uma série de figuras do PSD no cargo de provedor...E do PS também. A Provedoria de Justiça nasceu em 75, mesmo antes de haver Constituição, e o primeiro provedor era um membro do Conselho da Revolução, o coronel Costa Brás. Julgo que sem qualquer ligação partidária devo ser praticamente o único provedor de Justiça até hoje. 
Em Campo Maior um cidadão mandou o Presidente da República trabalhar e foi julgado em processo sumário. O PSD quer impedir temporariamente de entrar no Parlamento quem proteste nas bancadas do público. Serão sinais de que estamos a caminhar para uma democracia musculada?Pode configurar [isso] - ou então uma tendência autoritária. Sou mais adepto do exercício sensato do poder, com os políticos, através do seu exemplo, a infundir o respeito. Há um descontentamento generalizado dos portugueses que se reflecte também nas queixas que surgem na Provedoria, algumas das quais são autênticos desabafos. 
Já tem queixas relativamente ao adiamento do pagamentos dos subsídios de férias?Tenho nove queixas. 
Mas por que razão se passou o subsídio para Novembro?Tem a ver com a troika. O défice é calculado ao trimestre, e se fosse pago em Junho poderia fazer aumentar o défice no final do ano, tendo pelo meio umas eleições autárquicas. Estou a falar não como provedor, mas como cidadão observador da coisa pública. 
Como antigo presidente do Tribunal de Contas, como acha que foi possível o país chegar a este estado?Tem a ver com aquilo a que o Presidente da República chamou espiral recessiva. A maior crítica alguma vez feita a este Governo foi esta. Aumenta o desemprego, sobem-se os impostos, baixa o consumo... 
Tem dito várias vezes que o Estado nem sempre se comporta como uma pessoa de bem. Quer explicar?Tenho muitas queixas sobre os atrasos no reembolso das contribuições para a Segurança Social indevidamente pagas por erro, por exemplo. O Estado recebe-as, o contribuinte pede o seu reembolso quando se apercebe do engano e o pagamento demora anos. No entanto, quem deixa de pagar a segurança social tem uma penhora às costas passados uns tempos - e muitas vezes penhoras ilegais, acima de um terço do ordenado, que é o máximo que permite a lei. 
O fisco porta-se particularmente mal com os contribuintes?Muitas vezes o sistema é cego. Basta carregar-se num botão para se desencadear um conjunto de operações que podem lesar os contribuintes. 
No seu mandato também teve várias vitórias...Um dos casos que mais satisfação me deram resolver foi o das arribas das praias. Quando tomei posse, em Julho de 2009, houve vários acidentes com arribas no Algarve, um dos quais, o da praia Maria Luísa, com mortos e feridos. Em Julho de 2012 foi alterada a legislação para obrigar à sinalização destas arribas e permitindo às autoridades intimar os banhistas que estejam debaixo delas a abandonar estes locais, graças a uma recomendação minha. A capacidade argumentativa dos juristas da Provedoria de Justiça leva muitas vezes a administração a reconhecer que errou e a corrigir, sem que o cidadão seja obrigado a ir para tribunal. Muitas vezes evita que os queixosos vão entupir os tribunais. 
Lembra-se de outros casos?O da regulação do poder paternal nos tribunais de menores, que chega a demorar anos por causa dos atrasos nos relatórios dos técnicos do serviço social. Fiz uma recomendação à ministra da Justiça e ao ministro da Segurança Social, que constituíram um grupo de trabalho para solucionar o problema. 
Está resolvido?Neste país, quando não se quer resolver os problemas nomeiam-se grupos de trabalho. 
Como encara a co-adopção do ponto de vista legal?O legislador pode ir à realidade social e dar-lhe um tratamento legal - foi o que sucedeu. E esta lei é mais no interesse da criança do que no dos co-adoptantes. É a minha opinião pessoal, que casos desses não aparecem na Provedoria. Nessa matéria há um princípio que é o superior interesse da criança. 
O dr. Marinho e Pinto também fala nesse interesse para defender o contrário. Ele disse há algum tempo que gostaria de ocupar o cargo que vai deixar. Daria um bom provedor?Não me vou pronunciar. É uma pessoa que suscita as mais desencontradas opiniões. 
O que faz falta alterar no estatuto do provedor de Justiça?O Governo não é obrigado a seguir as recomendações que lhe faz o provedor, mas tem 60 dias para lhes responder. Já no caso da Assembleia da República não existe um prazo: são distribuídas pelos grupos parlamentares e ficam ao cuidado e ao interesse dos deputados, que podem ou não interessar-se e levá-las a plenário. Devia haver também um prazo para os deputados dizerem ao provedor que posição tomam relativamente às suas recomendações e se vão actuar. 
É uma pequena alteração...Havendo esta alteração, fica a nu o incumprimento de uma norma por parte do Parlamento, que é quem faz as normas. Eu esperaria por condições mais favoráveis para a levar a cabo: há uma maioria que poderá não estar interessada em fazê-la. 
Já lhe aconteceu as suas recomendações ao Parlamento caírem em saco roto?Já. Uma das coisas que estavam pendentes quando vim para provedor era a restituição, pelo Ministério das Finanças ao patriarcado, da Igreja de Santo António, em Campolide. Aquilo ingressou no património do Estado com as expropriações da implantação da República, e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça mandou-a restituir à paróquia em 1927. A minha recomendação é de 2010, ainda Teixeira dos Santos era ministro [de José Sócrates]. Não foi acatada: disse que a lei actual não permitia restituições gratuitas do património do Estado - argumentação que não convencia. Se o Estado quisesse ter sido pessoa de bem, era muito fácil, fazem-se tantas habilidades legislativas... era vendê-la pelo preço simbólico de um euro. Enviei o assunto ao Parlamento e nunca tive resposta. E eu a pensar que o CDS, por ser um partido democrata-cristão, iria pegar no assunto... Não pegou e a igreja continua a degradar-se.

A eleição do novo presidente do STJ

Devemos estar orgulhosos pela forma civilizada como decorreu a eleição do novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O acto processou-se dignamente, com elevação e com uma excelente condução dos trabalhos pela mesa.

Esta eleição, a meu ver, representa uma viragem e o começo de um novo ciclo no tribunal de cúpula da organização judiciária portuguesa. Atrever-me-ia a dizer mais: representou um verdadeiro corte epistemológico na tradição seguida até aqui, para empregar uma expressão de Gaston Bachelard com um sentido um pouco transviado.

Pela primeira vez foi eleito presidente um juiz que acedeu ao STJ pela via do Ministério Público. Já houve presidentes no passado que tiveram o seu principal desempenho profissional na magistratura do Ministério Público, como, entre outros, Manso Preto e Pedro de Macedo. Porém, isso foi no tempo em que os quadros superiores do Ministério Público provinham da magistratura judicial, ou em que, tendo já ocorrido a separação de carreiras com a consequente autonomização do Ministério Público, com a Lei n.º 39/78, de 5 de Julho, certos magistrados dos escalões superiores desta magistratura continuaram ligados à magistratura judicial, nunca tendo feito a opção pelo Ministério Público.

Não assim com o presidente agora eleito, que, tendo feito tal opção numa fase ainda recuada da sua carreira, o que foi permitido pela citada Lei 39/78, ficou a pertencer aos quadros do Ministério Público e dentro desta magistratura fez toda a sua evolução profissional, até ao momento em que reuniu condições para concorrer a juiz-conselheiro do STJ.

Ora, a sua eleição para presidente nestas condições ocorreu pela primeira vez, o que assume um significado de relevo dentro da tradição do STJ, em que a maioria dos juízes é oriunda da magistratura judicial e fazia sentir o seu peso em vários actos institucionais do Tribunal, sobretudo na eleição para os cargos de chefia, facto que se tem vindo a diluir gradualmente, mas ainda tinha um bastião de resistência na eleição presidencial, sendo o presidente do STJ também presidente, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura – o órgão constitucional de gestão e disciplina dos juízes.

Esse bastião foi agora rompido com esta eleição, o que significa que a maioria dos seus juízes assimilou que há várias vias de acesso ao STJ e que todos eles são juízes conselheiros de pleno direito. E significa mais: que para presidente deve ser eleito aquele que em melhores condições está para desempenhar o cargo de uma forma digna e dignificante e que melhor possa contribuir para o prestígio e a credibilidade dos tribunais, através do exemplo modelar do STJ e do órgão máximo de gestão e disciplina dos juízes, independentemente da via por que se acedeu a juiz-conselheiro.

De forma que, com esta eleição, a maioria dos juízes do Supremo deu um sinal claro (pela expressividade dos votos, que resolveu a eleição logo à primeira volta) de rompimento com uma visão corporativa dentro da própria corporação dos juízes. E deu também um sinal claro de que a escolha deve recair, como recaiu, em quem sabe distinguir o essencial do acessório, tendo em vista a dignificação da justiça, que tem como destinatários os cidadãos, e não põe os olhos em falsas miragens que no fundo se traduzem em reivindicar para os juízes posições de maior destaque social ou mediático, mas não necessariamente de mais engrandecimento da função.

Publicado por Artur Costa (02:20)

Ministra da Justiça quer diminuir escutas

Paula Teixeira da Cruz defende que há demasiadas entidades a fazer escutas e quer restringir este poder à Polícia Judiciária
Em entrevista ao Expresso, dada quando recebeu o telefonema a informá-la do pedido de demissão de Paulo Portas, a ministra pede para não “contaminarem” as reformas que fez na Justiça com processos eleitorais. Paula Teixeira da Cruz diz que as saídas de Gaspar e Portas não a surpreenderam: “Viu-me mexer um músculo?”.
Paula Teixeira da Cruz Ministra da Justiça
“Eu e eu damo-nos imito bem”
Texto RUI GUSTAVO
Foto ALBERTO FRIAS
A meio da entrevista, na terça-feira à tarde e pouco antes da tomada de posse de uma nova colega para o Conselho de Ministros, os telefones começam a tocar. O telemóvel de Paula Teixeira da Cruz é especialmente insistente. Paulo Portas acabava de se demitir. “Se me surpreende? Viu-me mexer um músculo?”, pergunta a ministra que garante ter feito uma revolução incontestada na Justiça. O discurso é de fim de ciclo. A secretária está impecavelmente arrumada, sem um único objeto pessoal. “Só tenho um copo e um prato, disso não abdico.”
- Vai sair do Governo?
- Não costumo abandonar barcos. Mesmo que acabasse agora, ficaria muito tranquila. Eu e eu damo-nos muito bem. Mesmo que tudo ruísse, sei que deixo uma justiça diferente.
- Não ficou surpreendida com a demissão de Paulo Portas?
- Estou habituada a que na vida nada me surpreenda. Há coisas mais ou menos expectáveis.
- E com a saída de Vítor Gaspar?
- Honestamente, não. Não vou dizer que sabia, mas não fiquei surpreendida. Há que saber ler nas entrelinhas. Para mim a notícia é a carta que o ex-ministro escreveu, não tanto a saída.
- Porquê?
- Julgo ser inédito que um ministro se demita com uma carta aberta. E com o que essa carta potenciou. Por isso não me surpreende o que se seguiu.
- Defendia a saída de Vítor Gaspar?
- Não. Muitas vezes não estive de acordo com ele, mas isso faz parte. Se não para que é que haveria Conselho de Ministros? Mas as discordâncias foram sempre de uma enorme elegância.
- A saída destes dois ministros não afeta a credibilidade do Governo?
- Não. O que pode haver é uma incapacidade para resolver uma situação no momento. Por absurdo que pareça, acho que os resultados que apresentamos, face ao que encontrámos, mostram que devemos continuar. Foi um momento difícil, mas será ultrapassado. O primeiro-ministro e o líder do partido da coligação hão de encontrar a solução. Não a ideal, mas a possível.
- A escolha de Maria Luís Albuquerque para a pasta das Finanças é a ideal?
- Eu escolho os meus colaboradores, o primeiro-ministro escolhe os dele.
- Portas deve continuar no Governo?
- Esse é um exercício de liberdade que só a Paulo Portas compete.
- Os últimos dados da Pordata revelam que só 29 por cento dos portugueses confiam na Justiça. Inclui-se nesta minoria?
- Não posso fazer essa avaliação, que compete aos portugueses. Percebo o que esse número quer dizer mas, quando chegámos, o que é que tinha sido transformado na Justiça? Nada. Nós revimos a Justiça Penal, a Económica, a Cível, fizemos a reorganização judiciária e estamos a rever a Justiça Administrativa. Estas reformas levam tempo e só em setembro entrará em vigor a principal delas, do Código Civil. Por isso é natural que as pessoas ainda não se apercebam de tudo o que fizemos.
- Tanta reforma para quê?
- Para simplificar, para acabar com os expedientes dilatórios e a falta de responsabilidade. Esta reforma não teria sido possível se andasse a pensar nisto há dois anos, mas a verdade é que comecei a pensar nela há mais de vinte anos.
- Há mais de vinte anos que planeava chegar ao poder?
- Não, mas já dei a volta toda ao sistema judiciário: estive na Ordem dos Advogados, no Conselho Superior da Magistratura e no do Ministério Público. E como advogada tinha um pensamento claro sobre como é que as coisas deviam funcionar. E nada me irritava mais do que ir a julgamento com as testemunhas e a sessão ser adiada não sei quantos meses. Isso vai acabar. Quem for responsável por algum adiamento será responsabilizado e os magistrados passam a ter prazos para tomar decisões.
- O que é que acontece a um magistrado que se atrase a tomar uma decisão?
- Há uma participação ao Conselho Superior de Magistratura. Tal como acontecerá com um advogado que atrase uma diligência: participação à Ordem.
- Quer o sindicato dos juizes quer o dos magistrados do MP já contestaram o facto de o novo Código Civil ser aplicado já em setembro.
- Este código civil é aplicável independentemente da organização que tivermos. Tal como o código de 1939 durou até hoje. Seria desejável que todas as reformas se iniciassem ao mesmo tempo, mas não sendo possível, não há nenhuma razão para não avançar com uma reforma que está a ser debatida há mais de um ano.
- Começar a instalar o mapa judiciário na altura das autárquicas é razoável?
- O Parlamento demorou sete meses a aprovar o mapa e só concluiu o processo há uma semana. No meu calendário, a aprovação devia ter sido em abril. A lei ainda tem de ser promulgada pelo Presidente e publicada. Só depois podemos começar a pensar na instalação. Agora não me venham infetar reformas da Justiça com processos eleitorais. Respeito muito os calendários eleitorais, mas respeito mais o cidadão. As eleições não podem ter qualquer influência no mapa judiciário. Não vou antecipar nem atrasar nada.
- O intervalo de tempo entre a aprovação do código e a entrada em vigor não é demasiado curto?
- Não. Porque o novo código é tão simples, tão simples, que nunca mais ninguém irá ganhar um processo apenas por razões formais, sem ter razão.
- Não pode garantir isso a 100 por cento.
- Não. Mas posso garantir que a lei prevê que mais ninguém irá ganhar um processo por razões formais.
- O seu colega Paulo Macedo disse ao Expresso que não há nada mais equitativo em Portugal do que o acesso à saúde. Pode dizer-se o mesmo da Justiça?
- O acesso, sim. O Ministério garante a consulta judiciária, o patrocínio judiciário, está tudo na Constituição. E não é só aos cidadãos portugueses. Qualquer estrangeiro, mesmo que esteja ilegal, tem os mesmos direitos de acesso à Justiça. Em termos de acesso à Justiça, ainda vamos mais longe do que a Saúde. Felizmente. Lutei por isso durante muitos anos- e nesse campo sinto-me realizada. Como me sinto realizada quando olho e digo que mudámos disfunções na Justiça. E agora estamos a discutir o Código do Processo Administrativo e pela primeira vez, se se atrasar, a administração pública tem de indemnizar o cidadão. É uma alteração de cultura. Dirão que é uma utopia, mas como dizia Thomas More, a utopia é utopia até alguém querer fazer. E não é assim tão difícil fazer.
rgustavo @ expresso.impresa.pt
AS REFORMAS DA MINISTRA
Primeiras declarações dos arguidos valem em tribunal
As declarações dos arguidos na fase de inquérito, desde que prestadas perante um magistrado, passam a valer em tribunal. “O princípio é positivo, mas o efeito prático é mau, porque os arguidos vão deixar de falar”, crítica o advogado Saragoça da Matta. “Ainda bem”, rebate Paula Teixeira da Cruz. “Assim a investigação não baixa os braços só porque o arguido confessa. O que se estava a passar é que o suspeito confessava e depois em tribunal calava-se e o processo ruía”, acrescenta a ministra.
Mais julgamentos sumários
O julgamento sumário passou a ser regra para qualquer caso de flagrante delito, mesmo que se trate de um crime grave, como homicídio qualificado.
“Discordo”, diz o advogado Pinto de Abreu. “Para crimes até cinco anos, não acho mal, mas em casos de crimes graves, a precipitação de um julgamento sumário não é boa conselheira. A Justiça não é um vestido que se compre feito.” Teixeira da Cruz argumenta que o sumário “é direcionado para os casos em que não há dúvidas sobre quem praticou o crime” e “se o caso não for assim tão flagrante o juiz pode pedir prova adicional”.
Estado paga atrasos
A reforma do código civil e da ação administrativa é a grande obra da ministra, que salienta o facto de o Estado ter de pagar ao cidadão sempre que ocorrerem atrasos, de as audiências passarem a ser “inadiáveis” e de os magistrados serem penalizados caso não tomem as decisões nos prazos previstos. Os advogados que atrasarem os processos podem mesmo ser multados. Mouraz Lopes, da associação sindical dos juizes, reconhece que é “uma mudança de paradigma como não acontecia há uns cem anos”. Para o magistrado, “o controlo do processo passa a ser do juiz, cujo único interesse é chegar ao fim no prazo mais curto possível. É uma reforma muito positiva”.
Mapa judiciário
Vai arrancar no início de 2014 e prevê a constituição de 23 comarcas e o fecho de dezenas de tribunais, alguns estreados há poucos anos. “Vão ser afetados a outros serviços do Ministério, Não vamos desperdiçar meios”, garante a ministra. Rui Cardoso, do sindicato dos magistrados do MP, considera a reforma “importante” e admite que vai no “bom sentido”, mas devia ter sido “aperfeiçoado o modelo de gestão das comarcas” e definido “o número de tribunais que vão fechar”.
Prescrições
A partir da condenação no julgamento, a prescrição dos crimes suspende-se. É uma reforma para evitar que os sucessivos recursos impeçam o cumprimento da pena, caso a condenação se mantenha. “A brincadeira das prescrições acabou”, sentencia a ministra..
A juíza-desembargadora Adelina Oliveira considera que é uma lei “positiva e protege mais as vítimas”.
“Escutas não podem ser feitas por tantas entidades”
Além das reformas, Paula Teixeira da Cruz apoiou ou promoveu leis polémicas como a coadoção ou o registo de pedófilos. Agora quer que só a PJ possa fazer escutas telefónicas.
- Porque é que quer que seja só a PJ a fazer escutas?
- Entendo que as escutas não podem ser feitas por um conjunto tão amplo de entidades. Devem ser restringidas, para maior responsabilização. Hoje, só crimes puníveis com mais de três anos de prisão é que podem ser alvo de escutas – portanto, não vejo razão para que entidades que não investigam este tipo de crimes possam fazer escutas.
- Mas a PSP e a GNR podem investigar crimes puníveis com penas superiores a três anos.
- Pois. Essa é uma discussão que tem de ser feita de uma forma muito clara. Quero acabar com as escutas desreguladas.
- Mas as escutas são controladas por um juiz e pelo MP.
- Supostamente. Se todas as polícias puderem fazer escutas, onde é que vamos parar?
- Como é que a PJ vai ter meios para fazer todas as escutas?
-Uma escuta não implica uma afetação de meios como está a sugerir. Temos de clarificar a lei e saber quem é que investiga o quê e quem escuta quem.
- Vai aumentar os meios da PJ?
- Espero que sim.
- O que aconteceu ao projeto de criação de registo de pessoas condenadas por pedofilia?
- Está em curso. Estamos a trabalhar no leque da publicidade que vamos dar. Onde, a quem e quando. Quando estão em causa dois direitos, o interesse da criança e a ressocialização do pedófilo, qual é que deve prevalecer? Eu não hesito um segundo: é o da criança. Não quero publicar na internet o nome dos pedófilos, como nos EUA, mas com uma taxa de reincidência nestes crimes que pode ir aos 98%, acho que as autoridades têm de saber e ser avisadas.
- Uma pessoa condenada por abusos sexuais de criança não pode trabalhar numa escola?
- Não, nem pensar nisso.
- Mesmo com pena cumprida?
- Mesmo que tenha cumprido a pena, porque a taxa de reincidência é muito grande.
- Mas isso não é uma condenação perpétua?
- Não. E uma prevenção. Se um professor for condenado não digo que seja despedido mas deve ser colocado num serviço longe de crianças. O que me custa é ver que um administrador que danifique uma empresa fica durante não sei quantos anos impedido de voltar às empresas e uma pessoa viola uma criança e não lhe acontece nada porque é infamante ou é o regresso da idade média. Não percebo a lógica.
- Ao contrário da maioria do seu partido, manifestou-se a favor da coadoção por casais homossexuais. Teme que a lei seja chumbada na especialidade?
- Espero que as pessoas consigam distinguir duas coisas: a coadoção é a adoção por duas pessoas, independentemente do que quer que seja. Se quiser adotar uma criança com a minha irmã por que é que não o posso fazer? Mas vou ao cerne da questão: se um casal homossexual tiver as mesmas condições que um casal heterossexual não vejo por que razão não possa adotar.
- Uma criança não deve ter direito a um pai e uma mãe?
- Quantas famílias monoparentais existem? E quantos abusos ocorrem no seio de famílias heterossexuais? Ou há condições para adotar ou não há. Independentemente do género ou da orientação sexual.
- Mas o ideal para uma criança não é ter um pai e uma mãe?
- Ou há ou não há condições afetivas e materiais. O resto é indiferente.
- Se a lei for chumbada é uma desilusão para si?
- Dificilmente algo me ilude ou desilude.
Expresso | Sábado, 06 Julho 2013

POUPEM-NOS, POR FAVOR!

Não merecíamos este espetáculo
Manuela Ferreira Leite
Será bom não esquecer que a maioria dos portugueses tem aceitado, com enorme compreensão, os sacrifícios que lhe têm sido pedidos e mesmo os que se têm manifestado publicamente, têm-no feito, salvo raríssimas exceções, de forma civilizada.
Também será de ter presente que a dureza das medidas que tem suportado, associadas à frustraçãodos resultados alcançados, são já de si fonte de desânimo no presente e de angústia quanto ao futuro. Pois, esta semana ainda fomos presenteados com acontecimentos para todos os gostos, alguns deles condimentados com pormenores vários que foram desde o insólito à vulgaridade, passando pelo surpreendente ao inexplicável, todos com o traço comum da irresponsabilidade.
O mais marcante, porque espoletou todos os que se seguiram, foi a demissão do ministro de Estado e das Finanças e a carta que divulgou dirigida ao primeiro-ministro. A este propósito, refira-se que parece ter pegado a moda de publicitar os estados de alma dos ministros demissionários o que, obviamente, não acontece por um desejo de transparência, mas para controlar a versão em que nos querem fazer acreditar.
Essa carta é um repositório de recados que vão desde a proclamada autoconfiança nos resultados obtidos quanto à recuperação da credibilidade nos mercados, o que é justo reconhecer, à atribuição de responsabilidades ao Tribunal Constitucional, até à incapacidade de liderança do primeiro-ministro. Mas o mais significativo foi a confissão de que a política em que piamente acreditou e que escrupulosamente seguiu falhou, afirmando mesmo que a queda da procura interna foi muito superior à que previu e que os custos do ajustamento no que se refere ao desemprego, nomeadamente o jovem, são muito graves.
Se este desabafo revela coragem, especialmente perante os que sempre chamaram a atenção para o erro do caminho que estava a ser seguido, também revela que somos um povo com pouca sorte.
Na verdade, é quando o ministro das Finanças toma consciência de que a política que estava a ser seguida, no sentido de eliminar tudo o que era considerado indesejável a um novo modelo de desenvolvimento, tem consequências trágicas que, em vez de a corrigir, desiste e abandona o lugar.
E quanto seria importante que o prestígio de Vítor Gaspar junto das instâncias internacionais e, nomeadamente, do ministro das Finanças alemão fosse utilizado para lhes explicar, com a sua voz autorizada e amiga, o erro que estamos a cometer! Só por má sina se perde esse contributo no momento-chave do processo de ajustamento.
Ficará a dúvida se a desistência do ministro foi por não reunir as condições para infletir a sua política, ou por não admitir a hipótese de a mudar.
Mas ficará a certeza de que a vertigem dos acontecimentos que marcaram esta semana deixaram um rasto de insegurança nos cidadãos que só pode ter contribuído para debilitar o já de si frágil ambiente social em que vivemos. Não merecíamos este espetáculo.
Expresso/Economia | Sábado, 06 Julho 2013

Tribunal declara inconstitucional diploma sobre as drogas legais

Lei aprovada na Assembleia Regional que identificava 160 substâncias proibidas foi chumbada pelo Tribunal Constitucional
O Tribunal Constitucional declarou que a proposta apresentada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, sobre a lei das drogas legais, é inconstitucional.
Os juizes, votaram por unanimidade esta decisão e apontam uma falha no artigo 10.º, n.º 1 do Decreto n.º 7/2013, que aprova o regime jurídico aplicável às novas substancias psicoativas, porque os valores das multas aplicadas excedem “os limites da sua autonomia político-legislativa e violam a reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República”.
O diploma do parlamento açoriano sobre as chamadas “drogas legais” foi enviado ao Tribunal Constitucional pelo representante da República nos Açores, que questionou o valor das coimas previstas na legislação regional. Ao requerer a fiscalização da constitucionalidade, Pedro Catarino sustenta que, “apesar de a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ter competência legislativa para disciplinar a matéria em apreço, o limite máximo das coimas aplicáveis às pessoas coletivas responsáveis pela produção, publicitação ou comercialização daquelas substâncias, é claramente inconstitucional”.
O jornal Público refere que o diploma regional fixava que essas coimas podiam chegar aos 250 mil euros, “um valoí cerca de cinco vezes superior ao vigente na Região Autónoma da Madeira e no Continente”, pelo que, considerava o representante da República nos Açores, “desrespeita os parâmetros definidos pelo Regime Geral das Contraordenações, que é um regime da competência reservada da Assembleia da República, ao mesmo tempo que viola os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade”. O decreto do governo açoriano que regulava a venda das chamadas “drogas legais”, normalmente vendidas nas “smartshops”, foi aprovado pelo parlamento regional a 14 de maio, por unanimidade. O diploma proibia ainda a venda nas ilhas de mais de 160 substâncias psicoativas, identificadas pelo Observatório Europeu das Drogas e Toxicodependências e que são “consideradas perigosas, por terem os mesmos efeitos do que as drogas ilegais, como a cocaína e a heroína”.
A lei, considerada inconstitucional, deverá agora ser alterada na Assembleia Legislativa Regional dos Açores. O “chumbo” desta lei não apresenta grandes alterações para os açorianos porque será aplicada a legislação nacional, sobre as substâncias psicoativas, continuando a ser proibida a sua comercialização. Nos Açores, apenas foi criada uma”smartshop”, em Ponta Delgada, que foi encerrada após a entrada em vigor da legislação nacional.
Açoriano Oriental | Terça, 02 Julho 2013