segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Julgamentos sumários

MARINHO E PINTO Bastonário da Ordem dos Advogados

O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade da norma do artigo 381º nº 1 do Codigo de Processo Penal que determina o julgamento em processo sumário de arguidos acusados de crimes abstratamente puniveis com penas de prisão superiores a cinco anos, desde que tenham sido detidos em flagrante delito. A decisão do TC foi proferida no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas legais, ou seja, foi proferida num processo que corre termos num tribunal e onde um arguido era acusado de tentativa de homicídio.

Com base nas recentes alterações processuais introduzidas pela ministra da Justiça, o Ministério Público requereu o julgamento do arguido em processo sumário, mas o juiz recusou essa pretensão com o fundamento de que essa alteração era inconstitucional, o que motivou a chegada do processo ao TC.

Esse acórdão do TC fere de morte uma das medidas mais demagógicas e populistas do atual Governo, que era, precisamente, a de julgar crimes graves em processo sumário desde que os suspeitos tivessem sido detidos em flagrante delito. O processo sumário é usado para crimes pouco graves e os julgamentos são feitos por um só juiz, geralmente mais novo, com menos experiência e muito mais rapidamente, pois não há inquérito. A essa forma de processo contrapõe-se o processo comum com julgamento em Tribunal Coletivo para os crimes mais graves.

O que espanta na alteração legislativa que o TC agora inviabilizou não é o facto de ela refletir a falta de cultura jurídica de quem a concebeu - a atual ministra da Justiça. O que espanta não é ainda o facto de essa medida atentar contra um dos mais relevantes avanços civilizacionais em matéria de administração da justiça. O que verdadeiramente espanta é que um tal retrocesso tenha sido acolhido acriticamente pelo Conselho de Ministros e, mais do que isso, tenha sido aprovado obedientemente pela Assembleia da República. O nosso Parlamento, os nossos deputados, muitos deles advogados em exercício simultâneo da profissão, aprovaram sem corarem de vergonha uma medida populista e primária que não iria diminuir em nada os atrasos da justiça (eles não derivam da forma de processo), mas, pior do que isso, iria fazer com que os julgamentos de muitos crimes graves fossem realizados sem respeito pelas adequadas garantias processuais.

A opção por um julgamento sumário ou comum coletivo não decorre da facilidade de obtenção dos meios de prova necessários à condenação, mas sim da criação de condições para que todas as ponderações a efetuar pelo julgador se façam com objetividade e em condições de serenidade. O julgamento de um crime grave não pode ser efetuado em cima dos factos criminosos, no calor das emoções e exaltações que o crime provoca na sociedade. O julgamento de um crime grave não pode efetuar-se sem uma investigação exaustiva de todas as circunstâncias em que o delito ocorreu - quer as circunstâncias que deponham contra o seu presumível autor quer as que deponham a favor dele. A investigação de um crime não se faz apenas para recolha das provas e das circunstâncias que sirvam apenas para a condenação; ela faz-se também para recolher as provas e todas as circunstâncias que atenuem a culpa e/ou a ilicitude da conduta do arguido . A administração da justiça penal num Estado civilizado deve ser feita por homens e mulheres experientes, ponderados, insensíveis a pressões, incluindo as mediáticas.

A alteração legislativa que a ministra da Justiça tinha promovido e que os domesticados deputados da maioria aprovaram sem qualquer respeito pelos valores da justiça num estado de direito iria conduzir a que os julgamentos de alguns crimes graves passassem a ser efetuados sem o adequado distanciamento temporal dos factos, no calor, portanto, das exaltações individuais e coletivas que os crimes graves sempre provocam; iriam ser feitos, pois, em arenas com multidões a gritar nos órgãos de informação ou às portas dos tribunais a exigir as penas máximas ou a tentar fazer justiça pelas próprias mãos. Deputados que por carreirismo partidário aprovam tais medidas não são dignos da função que exercem e não merecem o respeito dos cidadãos.


Jornal Notícias | 05­-08­-2013

Secretas. "Reforma tem de ser participada", diz Bacelar Gouveia

Limitação na passagem para o sector privado é o ponto mais sensível da reforma, diz Bacelar Gouveia

A limitação que o PSD e o CDS querem impor à transição dos agentes das secretas para o privado pode suscitar dúvidas constitucionais. Para Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista que já presidiu ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, este é o ponto mais sensível nas propostas que a maioria apresentou no parlamento. "Admito essa inibição, mas não pode ficar à decisão casuística e discricionária de uma pessoa", referiu Bacelar Gouveia ao í. O projecto de lei do PSD e CDS, já entregue na Assembleia da República, estabelece que os funcionários, agentes e dirigentes dos serviços de informações "podem ficar impedidos de desempenhar funções em organismo ou entidade do sector privado, pelo período de três anos após cessação de funções, por despacho fundamentado do Secretário-Geral".

Isto em "caso de manifesta incompatibilidade com as finalidades ou o funcionamento" das secretas ou com a "segurança e interesse nacionais". Para o constitucionalista, a própria lei deve definir em concreto quais os pressupostos para o impedimento, não deixando a decisão ao critério do responsável dos serviços.

Já quanto à criação de um registo de interesses - os membros das secretas passam a ter de declarar, por exemplo, se pertencem à maçonaria - Bacelar Gouveia diz não ver qualquer inconstitucionalidade nesta medida, considerando-a "muito importante para aumentar a transparência, quer por parte dos agentes, quer por parte dos fiscalizadores". Para o também ex-deputado do PSD, a proposta da maioria "aproveitou muito da experiência do caso Silva Carvalho", mas "reformas destas não podem ser ditadas pelo circunstancialismo". Razão pela qual Bacelar Gouveia defende que esta "não deve ser uma reforma de gabinete" e que deve ser promovido "um debate público, com outras entidades" sobre os diplomas. Até face à exposição pública motivada pelas polémicas com Silva Carvalho (o ex-director dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa, acusado de acesso indevido a dados pessoais, corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder e violação do segredo de Estado), o constitucionalista defende que "os serviços de informações são secretos, mas esta deve ser uma reforma participada".

Susete Francisco

i | 05-­08­-2013